Sofrer sem incomodar
José Luís Nunes Martins
ionline 2014.10.18
Há pessoas que nos dizem "espero que esteja tudo bem consigo!" com o sentido oculto de uma verdadeira esperança, a de que não lhes demos trabalho algum.
ionline 2014.10.18
Há pessoas que nos dizem "espero que esteja tudo bem consigo!" com o sentido oculto de uma verdadeira esperança, a de que não lhes demos trabalho algum.
O sofrimento é algo tão natural, quanto inevitável e universal. No entanto, cada vez mais é remetido para a esfera privada, íntima, como se fosse algo que pode e deve ser vivido apenas longe dos outros. Num recanto qualquer, desde que distante dos que lhe querem ser alheios. Estes, sentem-se no direito de exigir que as nossas dores não os incomodem.
Como uma árvore atingida por um raio, quando sou tocado por uma dor profunda, rasgo-me, divido-me e consumo-me com dúvidas, ansiedades e pesadelos… o próprio pensar dói. Estou só e com medo... e o medo faz sempre que qualquer mal pareça muito maior. Sofremos... e sofremos mais ainda quando estamos sós.
É impossível conter o sofrimento, ou o partilhamos ou somos dilacerados por ele.
Perguntam-nos: "Como está?". Mas a resposta ou é indiferente ou então tem de, pelo menos, parecer. Claro que, no caso de estarmos muito bem, não podemos expressá-lo com euforias, pois também isso vai chocar! Nunca devemos ser pesados para os outros, nem com as nossas lágrimas nem com os nossos sorrisos. É assim que hoje muitos vivem...
É suposto que perguntemos sempre, mas que não respondamos, nunca. A não ser que seja alguém de quem gostamos muito, muito, ao ponto de querermos mesmo saber como está e de nos preocuparmos com o que podemos nós fazer para partilhar a sua intimidade com tudo o que tenha de bom e de mau.
Há pessoas que nos dizem "espero que esteja tudo bem consigo!" com o sentido oculto de uma verdadeira esperança, a de que não lhes demos trabalho algum. Esperam que estejamos bem para que se possam então aproximar-se sem receio que uma qualquer dor ou tristeza nossa os possa surpreender e desacomodar.
Só se aproximam de quem está sempre bem. Só se aproximam de uma parte de nós. Nós não existimos inteiros para quem – só – quer viver de forma cómoda.
Espero que esteja tudo bem consigo... espero para me aproximar? Ou para me ir embora? E se a pessoa não estiver bem? Espero até ela estar! Mas... com ela? Ou longe dela?
Vivemos num tempo em que o sofrimento é visto como algo vergonhoso. Em que as pessoas devem manter as suas dores sob controlo a fim de que os outros sejam poupados ao peso do que entendem não ser seu.… um sofrimento sem expressão… tão escondido como um qualquer pecado obsceno.
São poucos os que querem que a luta interior de alguém seja uma luta comum... Temem-se as dores, mas teme-se mais ainda o seu inevitável contágio a que alguns chamam partilha. Amor.
Mesmo depois de uma grande perda, o luto é uma luta que não deve ser travada longe dos outros. Cada um carrega o seu fardo, mas se o partilhar, a viagem torna-se menos penosa. Porque se aliviam, um pouco, a pena e a solidão.
Claro, há muitas simpatias e compaixões, mas a maior parte delas é apenas aparente. São cada vez menos os que conseguem prestar uma ajuda desinteressada a quem precisa.
As alegrias não incomodam tanto como as tristezas. Embora em ambos os casos seja raro haver partilha.
Vivemos numa enorme tapeçaria de aparências: os egoísmos, disfarçados de coisas belas, escondem podridões... mentiras sempre assumidas de um modo diplomático e inteligente. Afinal, todos temos os nossos problemas – dizem.
Escondo-me nuns óculos escuros, porque não quero que vejam as minhas lágrimas. Visto-me de preto, para me esconder na noite de mim mesmo, quero passar despercebido, oculto, silencioso… não quero incomodar ninguém. Não quero que a minha tristeza estrague a vida de mais ninguém... tenho medo.
Mas é o medo que nos impede de sermos felizes. Porque quem tem medo, não ama, e quem não ama não é feliz.
Solidões que são mentiras e infernos. Para onde nos lançamos inteiros quando dos outros só aceitamos uma parte das suas alegrias e dores… e, também, enquanto a eles mostramos apenas uma parte de nós.
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