Máquina de triturar educação


Inês Teotónio Pereira | ionline 2014.10.11

A história da educação em Portugal é a história da luta entre sindicatos e poder político
A média deve ser mais ou menos esta: oito em cada dez vezes que se fala de educação (em qualquer circunstância) o tema dominante é a carreira e a contratação docente. Quem não sabe o significado de conceitos como lista ordenada, processos concursais, bolsa de contratação de escola, graduação ou grupo de recrutamento está fora, não percebe nada de educação. É preciso ter alguma noção de direito administrativo, ser perito em contratação pública e especialista em fórmulas matemáticas para se passar do primeiro round numa qualquer discussão de café sobre este tema difícil. Mas a sorte é que Portugal está cheio de peritos na matéria: especialistas em educação que despejam fel nos blogues, que vivem em sindicatos e que explodem de raiva cada vez que a dolorosa engrenagem burocrática da 5 de Outubro revela a sua trágica genética kafkiana.
A educação em Portugal é isto e é sobre isto. Tudo o resto são temas- -satélite. Os alunos, os pais, os programas, os currículos, o desempenho das escolas e até o desempenho individual de cada professor, são temas remetidos para segundo e terceiro plano. São pontuais os artigos, as discussões e os debates sobre as taxas de insucesso, os bons exemplos pedagógicos de inúmeras escolas, o calendário escolar, os programas curriculares, os horários dos alunos, a autonomia das escolas ou até os vários modelos de sistemas educativos. Não, os sindicatos e os especialistas em educação e em escárnio não têm tempo para falar sobre isto. E percebe-se. O sistema centralizado de contratação de professores tem inúmeras implicações e qualquer erro, por pequeno que seja, tem consequências graves na vida dos próprios professores, dos alunos e das famílias. As escolas estão completamente dependentes desta máquina burocrática, por isso é normal que seja dela que se fala.
Portugal teve dez ministros da educação em 20 anos. Da esquerda à direita, políticos e académicos, investigadores e especialistas. A todos tremeram as pernas no início de cada ano lectivo sempre que a máquina burocrática se revelou uma vez mais inviável e pouco fiável. Nenhum conseguiu alterar o centro do poder e nenhum conseguiu ter os professores como aliados. E percebe-se porquê: o sistema não deixa. Os professores servem os alunos mas respondem a uma entidade abstracta sediada numa sala de controlo das máquinas na 5 de Outubro; os professores trabalham nas escolas, mas o verdadeiro patrão é uma fórmula matemática; os professores sabem que o seu desempenho não está ligado ao seu futuro e sabem que os bons ou os maus resultados dos alunos não contam para a sua progressão, não se reflectem na sua conta bancária e que o titular da educação não tem quaisquer condições de reconhecer o seu mérito ou demérito.
A história da educação em Portugal é a história da luta entre sindicatos e poder político. Entre os que dependem da engrenagem e entre os que vão oleando a máquina. E será assim enquanto não se discutir a sério o sistema educativo, enquanto não se promover a liberdade de escolha, enquanto a autonomia das escolas não significar verdadeira autonomia, enquanto os professores não tiverem incentivos, enquanto sindicatos contarem mais do que associações de pais e enquanto alguns desses sindicatos responderam aos partidos antes de responderem aos professores. Até lá a discussão sobre educação será sempre dominada por bloggers enraivecidos, sindicalistas furiosos e ministros que vão percebendo através da experiência governativa a sua real importância perante a força da máquina centralista que não reconhece pessoas, apenas números.

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