O fim da ascendência ocidental?
Público, 2011-04-18 João Carlos Espada
O mais importante factor, diz Ferguson, é que o Ocidente não esqueça as seis condições que fizeram o seu sucessoA pergunta de partida de Ferguson reside em saber por que razão, por volta do ano 1500, algumas pequenas comunidades políticas no extremo ocidental do continente euro-asiático iniciaram um percurso que as levaria a dominar o resto do mundo, incluindo as mais populosas e, em muitos aspectos, mais sofisticadas sociedades da euro-ásia oriental, designadamente a China.
A resposta de Ferguson desenvolve-se em torno de seis conjuntos de instituições, bem como das ideias e comportamentos a elas associados, que distinguiram o Ocidente do resto do mundo.
Em primeiro lugar, Ferguson identifica a concorrência, entendida num sentido lato que abrange a descentralização da vida política e económica, criando as condições para o desenvolvimento dos estados-nação e do capitalismo.
Em segundo lugar, a actividade científica e a atitude científica perante o mundo, que, entre outras coisas, permitiram a superioridade militar do Ocidente.
Os direitos de propriedade surgem em terceiro lugar. São o centro do que chamamos primado da lei (rule of law), permitem a experimentação descentralizada e constituem a base do regime representativo a que chamamos democracia liberal.
A medicina surge em quarto lugar, como um ramo específico da actividade científica já citada em segundo lugar. Foi o desenvolvimento da medicina que permitiu a melhoria significativa da saúde e esperança de vida das populações ocidentais e, depois, das populações das suas colónias.
Em quinto lugar, para a surpresa de muitos, surge a sociedade de consumo, com a produção e aquisição de roupas e outros produtos de consumo, sem os quais a (impropriamente) chamada Revolução Industrial não teria ocorrido.
Last but not least, surge a ética do trabalho, que Ferguson atribui ao Cristianismo, sobretudo na sua versão protestante.
Ferguson argumenta que, graças a estes seis conjuntos de instituições, atitudes e ideias, o PIB per capita da Inglaterra em 1600 era já 60% mais elevado do que o chinês. Em 1820, o PIB per capita dos EUA era o dobro do da China; em 1870, era quase cinco vezes mais elevado; em 1913, a relação era já de 10 para 1. Em 1968, o americano médio era 33 vezes mais rico do que o chinês médio, em termos de paridades de poderes de compra. Na base do rendimento médio, a diferença era de setenta para um.
A partir da década de 1950, no entanto, vários países asiáticos começaram a importar premeditadamente as seis instituições ocidentais referidas por Ferguson. O resultado dessa ocidentalização tem produzido resultados extraordinários. O PIB per capita de Singapura é hoje 21% mais elevado do que o dos EUA. O de Hong Kong é igual ao americano, os do Japão e de Taiwan são apenas 25% mais baixos e o da Coreia do Sul 36% mais baixo.
Nem mesmo o obscurantismo comunista de Mao conseguiu impedir a China de observar este fenómeno de ocidentalização dos seus vizinhos e rivais asiáticos. A partir de 1980, inicia-se a corrida chinesa para a ocidentalização, com resultados verdadeiramente impressionantes. Em 26 anos, a China encetou o processo de industrialização mais rápido de sempre, multiplicando o PIB por 10. A Inglaterra tinha levado 70 anos após 1830 a multiplicar o seu PIB por 4.
Segundo cálculos do FMI, a China ultrapassará os 10% do PIB mundial em 2013. Em 2027, ultrapassará o PIB dos EUA, embora isso possa acontecer ainda antes, talvez em 2014 ou 2020.
A pergunta de Ferguson é inevitável: estamos a assistir ao fim da ascendência ocidental que marcou os últimos 500 anos? A resposta é difícil, porque o futuro está aberto, como diria Karl Popper, e muitos factores podem interromper as tendências actuais. O mais importante factor, diz no entanto Ferguson, é que o Ocidente não esqueça as seis condições que fizeram o seu sucesso. Director do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa; titular da cátedra European Parliament/Bronislaw Geremek in European Civilization no Colégio da Europa, Campus de Natolin, Varsóvia
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