Descaramento
Público 2011-04-01 Luis Campos e Cunha
A situação económico-financeira é de tal descalabro que não pode ter eleições antecipadas sem causar uma crise políticaPrimeiro, eleições antecipadas não são uma crise política em si nem provocam uma crise política. Por um lado, eleições antecipadas são um mecanismo constitucional para ser usado quando é necessário. Podem resultar de uma crise política e para a resolver devolve-se o poder ao Povo. Mas não são a causa, são a solução para uma crise política. Por outro, não vejo gente nas ruas a queimar carros, nem a incendiar as sedes dos partidos. Não há crise política, há apenas uma crise governamental com um governo no seu estertor final.
Segundo, esta crise governamental foi desejada e planeada pelo Governo. Sabiam, certamente, que os resultados orçamentais de 2010, avaliados pelo INE-Eurostat, não confirmariam os mágicos 6,9% do PIB. Apesar das receitas extraordinárias, o défice da execução orçamental de 2010 ficou em 8,6%. Ora, sem receitas extraordinárias o défice de 2010 é mais grave que o de 2009 na versão anterior e que quase nos levou à bancarrota há um ano. Logo, há várias semanas que o Governo adivinhava o final desta semana e antecipou-se. Porque aconteceria o inevitável: Portugal veria os ratings cair um após o outro, o crédito cada vez mais caro e escasso e iria necessitar de ajuda internacional, para nossa vergonha. Fui daqueles que defendeu que valia a pena pagar juros altos por uns tempos, para evitar o agora inevitável. Estava disposto a pagar não qualquer preço mas algum preço para evitar o certificado internacional de incompetência que é a necessidade de se recorrer ao FMI, para usar o jargão corrente. Foi inútil, apesar dos todos avisos.
Como o Governo sabia antecipadamente o que iria acontecer às contas de 2010 e quis precipitar a crise antes do descalabro final; assim, negociou e ajustou um conjunto de medidas (vulgo PEC-4) apenas e só com os nossos parceiros europeus. Nesse pacote estava tudo o que o PSD tinha vetado em negociações anteriores (PEC-2 e PEC-3). Apresentou essas medidas, num primeiro momento, como inegociáveis. O PSD, orgulhoso da sua posição disse um "não" também inegociável. No dia seguinte, o Governo, dando o dito por não dito, afirmou-se disposto a negociar. Mas o PSD caiu que nem um patinho e o Governo caiu como o próprio queria e planeou.
A partir de agora, para Sócrates as culpas são do PSD. A queda brutal dos ratings, a subidas das taxas de juro, o descalabro das contas públicas serão tudo culpa do PSD. O PSD vai passar o tempo a justificar-se, ou seja, perdeu a discussão. Pode não ter perdido as eleições, a ver vamos, mas pode perder a maioria absoluta.
O PSD, como os irlandeses fizeram, deveria ter aceite o PEC-4 em troca do Governo se demitir no dia seguinte. O odioso da escolha ficaria no Governo (ou no PS).
Vale a pena apesar de tudo, para que haja vergonha, salientar que Sócrates como primeiro-ministro (e ministro das finanças em exercício), deixou o Estado endividado em mais 30% do PIB, ou seja, a dívida pública aumentou uns 50%, pelo menos. Não fui ver os números exactos, com e sem empresas públicas, porque nem vale a pena face ao descalabro. Os mais de 90% de endividamento público são um recorde de mais de 150 anos.
Sócrates sempre se opôs ao aumento de impostos e à redução dos gastos sociais. Mas aumentou o IVA, só no último ano, de 20 para 23% na taxa base, e mais um ponto nas outras taxas. Além disso, aumentou o IRS de todas as maneiras: reduzindo as deduções e aumentando as taxas. A taxa marginal andava em 42% (desde 2006) e está em 46,5%; as deduções para despesas de saúde, ensino ou casa própria foram significativamente reduzidas traduzindo-se num aumento de IRS.
Quanto ao estado social: aumentou o preço pago por cada um de nós pelos medicamentos que viermos a necessitar; penalizou fiscalmente as reformas; reduziu o subsídio de desemprego. Para ver claro, chega?
A carga fiscal é insuportável para um país com o nosso nível de desenvolvimento. Mas aumentou o consumo público em 2010 em mais de 3%, segundo o Banco de Portugal. Contudo, não há dinheiro para museus, lavar a cara dos centros das grandes cidades, manter os monumentos nacionais, ou cuidar dos arquivos históricos. Já para não falar dos fogos que se avizinham ou da segurança nas ruas para os quais não vai haver dinheiro.
Estamos a viver um filme de terror em que o drácula culpa a vítima de lhe sugar o sangue. Estamos a viver o malbaratar dos dinheiros públicos durante muitos anos, com especial relevância nos últimos cinco. Estamos a sofrer as consequências da dita política keynesiana de 2009 que teria permitido que a recessão fosse apenas de 2,6%. Muitos defenderam tal irracionalidade, mas também houve quem chamasse a atenção da idiotia de tal abordagem numa pequena economia, sem moeda própria e sem fronteiras económicas. Sócrates afirmou que o défice de 2009 foi da sua responsabilidade porque foi de propósito, lembram-se? E o de 2010 é responsabilidade de quem?
E se os ratings da dívida pública estão em queda, atrás deles vêm os dos bancos. A política monetária do BCE tem sido muito expansionista - muito crédito e barato - só que não chega cá. Os fundos dos bancos escasseiam, logo o crédito escasseia e é caríssimo (mesmo para empresas exportadoras). O descalabro das contas públicas, de facto, implica uma política monetária para Portugal muito restritiva. Absurdo, não é?
Estamos a viver num País em que a situação económico-financeira é de tal descalabro que não pode ter eleições antecipadas sem causar uma crise política, económica e financeira de acordo com vários ministros, começando pelo primeiro. É a constituição e a democracia que está em causa.
Mas tudo isto tem um rosto e um primeiro responsável. Lembrem-se disto no dia do voto e não faltem, nem que seja para votar em branco. Professor universitário
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