Aconteceu outra vez: They have run out of other people's money
Pois foi. Como disse uma vez, há mais de 40 anos, a sra. Thatcher, "eles gastaram todo o dinheiro dos outros". Por isso, sem dinheiro, acabou-se a festa. E acabaram-se as ilusões. E a mitomania.
Ontem ainda se ouviam vozes indignadas, até inconformadas. O Bloco acusava os bancos de terem decidido "estrangular o apoio financeiro ao Estado". Ana Gomes proclamava que "aqueles que elegemos para mandar (...) andam a toque de caixa dos banqueiros". E o PCP pedia explicações e anunciava alternativas.
Pior: apesar de ser óbvio que o crédito da República tinha chegado ao fim, ainda ontem uma fonte do gabinete do primeiro-ministro assegurava que "o factor fundamental que levou a que o Governo solicitasse esta ajuda foram as dificuldades financeiras do sector financeiro, e não tanto por dificuldades de financiamento do Estado".
Esta gente ainda não percebeu o mundo em que vive e como chegámos até à situação desgraçada em que estamos. Esta gente ainda não percebeu que não pode continuar a gastar o dinheiro dos outros - dos bancos, dos contribuintes - porque já gastou tudo (e muito mais) do que havia a gastar. Há mais de um ano que a banca portuguesa não tem acesso directo ao mercado de crédito, há mais de um ano que depende do BCE. Há mais de um ano que, mesmo assim, são os bancos portugueses que asseguram boa parte do financiamento do Estado, sacrificando ao mesmo tempo o financiamento do sector produtivo da economia. Há muitos meses que se sabia que não era possível sustentar por muito mais tempo esta teia de dependências.
O que agora sucedeu foi que os bancos portugueses deixaram de conseguir aceder a novos empréstimos porque parte das garantias que tinham para dar - em especial os títulos de dívida pública portuguesa - se desvalorizaram. Por isso disseram o que não podiam deixar de dizer: que não continuariam a ir aos leilões da dívida. Ora, sem os bancos portugueses nesses leilões, não haveria Fundo de Equilíbrio da Segurança Social que salvasse Portugal e a nossa insaciável necessidade de mais e mais dinheiro para cumprir obrigações tão elementares como assegurar que os trabalhadores das empresas de transportes recebem os seus ordenados.
Alguns lunáticos, que acreditam que o dinheiro nasce debaixo das pedras ou, em alternativa, medra no fundo das caves dos bancos, proclamam que nos bastaria deixar de pagar aos credores ou cobrar mais impostos à banca para nos salvarmos da situação. Enganam-se: no dia em que o fizéssemos, não teríamos de cortar apenas cinco por cento aos salários da administração pública - teríamos de cortar, no mínimo, uns 20 por cento e, como já nos sucedeu no século XIX, meses haveria em que os salários não chegariam ou chegariam com atraso.
Repito: acabou-se a festa e finaram-se as ilusões e não nos resta senão mudar de vida. O que pode acontecer de duas formas: continuando a apertar o cinto de forma cega e desvairada, mas mantendo o essencial da estrutura do Estado e dos hábitos que temos, ou preferindo perceber que o mundo mudou e que, se quisermos escapar a uma miséria e tristeza crescentes, temos também de começar a pensar o país de maneira diferente.
aí que tenhamos, no curto prazo, dois grandes desafios pela frente.
O primeiro é tentar negociar com a União Europeia e com o FMI um pacote de ajuda que, além de nos dar o balão de oxigénio financeiro, também nos dê espaço para fazermos as reformas capazes de lidar com o principal dos nossos problemas, isto é, com a incapacidade da economia portuguesa de crescer e de criar riqueza.
O segundo é aproveitar a próxima campanha eleitoral para começar a discutir o que temos de mudar nas nossas vidas, no modo de funcionamento do nosso Estado e nas regras da nossa economia para que os próximos dez anos não voltem a ser dez anos perdidos, como foram os que decorreram entre 2000 e 2010.
O país está exaurido e necessita de perceber, de uma vez por todas, que secou a fonte do dinheiro que nos permitiu viver muito acima das nossas possibilidades (entre sector público e sector privado, gastámos todos os anos, nos últimos 15 anos, mais cerca de 10 por cento do que aquilo que fomos sendo capazes de produzir) e dela não brotará de novo dinheiro fresco e leve. É mesmo verdade que "eles" - os Governos, o Estado - "gastaram todo o dinheiro dos outros", o mesmo é dizer o nosso dinheiro e o dos que nos foram emprestando euros atrás de euros. É por isso que os nossos problemas são muito diferentes dos da Islândia (essa Némesis onde muitos julgam podermo-nos inspirar) e muito mais próximos dos da Grécia. Historicamente próximos: é que "nós estamos num estado comparável somente à Grécia - mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamento dos caracteres, mesma decadência de espírito", como escreveu Eça de Queirós em... 1872. Jornalista
Ontem ainda se ouviam vozes indignadas, até inconformadas. O Bloco acusava os bancos de terem decidido "estrangular o apoio financeiro ao Estado". Ana Gomes proclamava que "aqueles que elegemos para mandar (...) andam a toque de caixa dos banqueiros". E o PCP pedia explicações e anunciava alternativas.
Pior: apesar de ser óbvio que o crédito da República tinha chegado ao fim, ainda ontem uma fonte do gabinete do primeiro-ministro assegurava que "o factor fundamental que levou a que o Governo solicitasse esta ajuda foram as dificuldades financeiras do sector financeiro, e não tanto por dificuldades de financiamento do Estado".
Esta gente ainda não percebeu o mundo em que vive e como chegámos até à situação desgraçada em que estamos. Esta gente ainda não percebeu que não pode continuar a gastar o dinheiro dos outros - dos bancos, dos contribuintes - porque já gastou tudo (e muito mais) do que havia a gastar. Há mais de um ano que a banca portuguesa não tem acesso directo ao mercado de crédito, há mais de um ano que depende do BCE. Há mais de um ano que, mesmo assim, são os bancos portugueses que asseguram boa parte do financiamento do Estado, sacrificando ao mesmo tempo o financiamento do sector produtivo da economia. Há muitos meses que se sabia que não era possível sustentar por muito mais tempo esta teia de dependências.
O que agora sucedeu foi que os bancos portugueses deixaram de conseguir aceder a novos empréstimos porque parte das garantias que tinham para dar - em especial os títulos de dívida pública portuguesa - se desvalorizaram. Por isso disseram o que não podiam deixar de dizer: que não continuariam a ir aos leilões da dívida. Ora, sem os bancos portugueses nesses leilões, não haveria Fundo de Equilíbrio da Segurança Social que salvasse Portugal e a nossa insaciável necessidade de mais e mais dinheiro para cumprir obrigações tão elementares como assegurar que os trabalhadores das empresas de transportes recebem os seus ordenados.
Alguns lunáticos, que acreditam que o dinheiro nasce debaixo das pedras ou, em alternativa, medra no fundo das caves dos bancos, proclamam que nos bastaria deixar de pagar aos credores ou cobrar mais impostos à banca para nos salvarmos da situação. Enganam-se: no dia em que o fizéssemos, não teríamos de cortar apenas cinco por cento aos salários da administração pública - teríamos de cortar, no mínimo, uns 20 por cento e, como já nos sucedeu no século XIX, meses haveria em que os salários não chegariam ou chegariam com atraso.
Repito: acabou-se a festa e finaram-se as ilusões e não nos resta senão mudar de vida. O que pode acontecer de duas formas: continuando a apertar o cinto de forma cega e desvairada, mas mantendo o essencial da estrutura do Estado e dos hábitos que temos, ou preferindo perceber que o mundo mudou e que, se quisermos escapar a uma miséria e tristeza crescentes, temos também de começar a pensar o país de maneira diferente.
aí que tenhamos, no curto prazo, dois grandes desafios pela frente.
O primeiro é tentar negociar com a União Europeia e com o FMI um pacote de ajuda que, além de nos dar o balão de oxigénio financeiro, também nos dê espaço para fazermos as reformas capazes de lidar com o principal dos nossos problemas, isto é, com a incapacidade da economia portuguesa de crescer e de criar riqueza.
O segundo é aproveitar a próxima campanha eleitoral para começar a discutir o que temos de mudar nas nossas vidas, no modo de funcionamento do nosso Estado e nas regras da nossa economia para que os próximos dez anos não voltem a ser dez anos perdidos, como foram os que decorreram entre 2000 e 2010.
O país está exaurido e necessita de perceber, de uma vez por todas, que secou a fonte do dinheiro que nos permitiu viver muito acima das nossas possibilidades (entre sector público e sector privado, gastámos todos os anos, nos últimos 15 anos, mais cerca de 10 por cento do que aquilo que fomos sendo capazes de produzir) e dela não brotará de novo dinheiro fresco e leve. É mesmo verdade que "eles" - os Governos, o Estado - "gastaram todo o dinheiro dos outros", o mesmo é dizer o nosso dinheiro e o dos que nos foram emprestando euros atrás de euros. É por isso que os nossos problemas são muito diferentes dos da Islândia (essa Némesis onde muitos julgam podermo-nos inspirar) e muito mais próximos dos da Grécia. Historicamente próximos: é que "nós estamos num estado comparável somente à Grécia - mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamento dos caracteres, mesma decadência de espírito", como escreveu Eça de Queirós em... 1872. Jornalista
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