Paciência de santo

Qual é a diferença entre vintage e kitsch? E qual a diferença entre kitsch e piroso? Isto porque “Camino”, o filme de Javier Fesser que ontem encerrou a competição oficial do Fantasporto, fica a meio caminho entre as boas intenções e o mau gosto mais insuportável e irritante.
Porque na verdade, não se percebe se a intenção de Fesser é elevar a força da fé católica ou se, pelo contrário, é gozar indecentemente com os dogmas da igreja e com a hipocrisia de alguns dos seus agentes. Confusão essa, gerada por uma realização desequilibrada, com uma especial apetência pelo piroso e que exagera na transmissão de uma mensagem, Seja ela qual for.
Baseado em factos verídicos, “Camino” é a história de uma menina de 11 anos que, por ter um cancro no cérebro, conquista a hipótese de ser beatificada. Passo a explicar: filha de uma senhora extremamente devota, Camino, de seu nome, está condenada a vir a ser freira, tal e qual como a sua irmã mais velha. Rodeada de religião por todos os lados, a jovem vê o seu calvário ser confundido com uma sequência de milagres e que atingem o seu ponto mais alto quando, já no leito da morte, o seu delírio moribundo é confundido com uma presença às portas do céu e um primeiro contacto imediato com Jesus.
Jesus, é na verdade o nome do rapaz por quem Camino se havia apaixonado, e é a ele que as últimas palavras e pensamentos da menina são dedicados. Estes equívocos chegam a ser tão ridículos que pensamos estar na presença de uma comédia de mau gosto. É precisamente por aqui que começamos a duvidar das verdadeiras intenções do realizador: é “Camino” uma crítica feroz ao comportamento da igreja ou um retrato apaixonado dos milagres de fé?
Convém referir que o filme de Javier Fesser coleccionou prémios em festivais um pouco por toda a Espanha e que o processo de beatificação da pequena Camino está ainda em curso. Se é que alguma destas informações é realmente importante…
No entanto, nem tudo são dúvidas, em “Camino”. Na verdade, saí do filme convencido de duas coisas que parecem não ter discussão: em Espanha, é muito fácil conquistar prémios de cinema, assim como é tremendamente simples ser-se beatificado.
Nuno Matos


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