Estavam à espera de quê?
Público, 2011-03-03 Helena Matos
A prosseguirmos, dentro de alguns anos, assistiremos a protestos de gerações que se dirão bem pior do que à rascaSegundo leio no PÚBLICO, um "desempregado, um bolseiro e uma estagiária" organizaram este protesto. Vejo no YouTube o videoconvocatória com as suas reivindicações. Digamos que é caso para se ficar absolutamente à rasca. Querem "direito ao emprego, o fim da precariedade e o reconhecimento das qualificações espelhado em salários e contratos justos". Ou seja, querem viver como viveram os seus pais, num país onde a lei das rendas tornou o mercado do arrendamento mais rígido que a regulação das campas perpétuas nos cemitérios, onde os direitos eram crescentes, os empregos para toda a vida e ninguém se interrogava como se produziria a riqueza que permitiria sustentar tudo isto.
Digamos que como protesto juvenil entrámos certamente numa nova era, pois, pelo menos a avaliar pelas reivindicações, o que temos é um grupo de jovens a querer ter a vidinha dos pais. Geracionalmente assistimos a uma traição dos mais velhos, ou conspiração grisalha, como a cunhou Fernando Ribeiro Mendes, ex-secretário de Estado da Segurança Social no primeiro Governo de António Guterres, num estudo que fez sobre a Segurança Social. E o que a geração à rasca nos parece dizer é que não só isso não lhes pareceu mal como também eles, se puderem, farão o mesmo.
A solidariedade entre gerações em que se baseou o Estado Social está a tornar-se uma corrida para assegurar que aqueles que estão aflitinhos à porta ainda vão a tempo de entrar. Nesse sentido a expressão "à rasca" é verdadeiramente apropriada. Contudo, os paradoxos deste protesto agendado para o próximo dia 12 não se esgotam aqui.
A geração que se diz à rasca não se esquece que é constituída por doutores e doutoras que pretendem que essas qualificações sejam espelhadas em salários. Note-se que Portugal adora doutores. Até os arrumadores de automóveis em vez de pedirem o dinheiro a que acham que têm direito optam por esbracejar repetindo "Ó dótóra! Ó dótóra!" como o mantra que aumentará em alguns euros a moeda que a "dótóra" lhe vai entregar. Mas o que é válido no parque de estacionamento não é válido no mercado de trabalho.
Muito apropriadamente o desempregado, o bolseiro e a estagiária que organizaram este protesto são licenciados em Relações Internacionais. Será que alguma vez eles e os seus muitos colegas das Relações Internacionais e de mestrados da Paz acreditaram que iriam ter um emprego não precário que espelhasse as suas qualificações? Se assim foi, não se percebe que relações internacionais andaram a estudar, pois aquilo que lhes foi prometido e em que terão acreditado foi muito emprego público. Nos sites das faculdades que têm cursos de Relações Internacionais, para lá das referências ao trabalho em associações empresariais e no jornalismo, o que se apresenta como mercado de trabalho para os futuros licenciados em Relações Internacionais é o Estado, seja no seu sector empresarial ou nos institutos públicos, seja nas instituições europeias e na administração pública regional e nacional. Precisa o país de empregar tanto especialista em Relações Internacionais? Não me parece.
Esta autodenominada "geração à rasca" é na verdade uma geração lixada pelos garantismos de que a geração dos seus pais gozou. Mas não só. Agarra-se a um canudo como os condes e viscondes arruinados de outrora se agarravam aos títulos: querem que o tratamento que a sociedade lhes dá espelhe esse título. Mas em muitos casos o título que eles têm é pouco mais que um adorno. Preparam-se agora os ditos membros da geração à rasca não para exigir que os mais velhos mudem de vida mas sim que também eles possam manter esse tipo de vida. Quem vier depois que se amanhe. A prosseguirmos, dentro de alguns anos, assistiremos a protestos de gerações que se dirão bem pior do que à rasca. Ensaísta
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