A primeira queda de Sócrates
Público 2011-03-25 Vasco Pulido Valente
Verdade que o debate sobre o PEC IV envergonharia qualquer parlamento. Quem assistiu à cena na televisão sabe que tudo aquilo não passou de uma acumulação quase delirante de pequenos comícios: discursos que se repetiam até à náusea e para lá da náusea, insultos, slogans, chantagem e por aí fora, sempre no mesmo tom arruaceiro ou ameaçador. Argumentos, nem um. A Assembleia acabou por se tornar um bom exemplo do que por aí se chama "crispação". Cada seita era uma espécie de ilha, concentrada no seu ódio ao próximo e decidida a não ouvir ninguém. A extrema-esquerda e o PS queriam desacreditar o PSD, o PS queria desacreditar o PSD e a extrema-esquerda e, naquela balbúrdia, só havia uma lógica: a raiva universal ao eng.º Sócrates.
Em dois séculos de governo representativo em Portugal, um único político conseguiu suscitar a profunda aversão que hoje suscita o primeiro-ministro: António Bernardo Costa Cabral, que deu o seu nome ao "cabralismo". É interessante pensar no que (em resumo) um dia lhe disse Fontes Pereira de Melo: "A sua presença (no governo) não ajuda o país, porque o senhor é o problema." Manuela Ferreira Leite, com outros cuidados verbais, não ficou longe de Fontes, quando explicou o voto do PSD. E, se calhar, não se enganou. A remoção definitiva de Cabral trouxe a Portugal um certo sossego. A remoção definitiva de Sócrates talvez também acalmasse as coisas. Mas, para nossa desgraça, Sócrates continua, e continuará, secretário-geral do PS e não tenciona, nem de longe, ficar quieto. Esta história ainda não chegou ao fim.
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