Humildade e verdade

MANUEL MARIA CARRILHO
DN 20110324
Humildade e verdade são, a meu ver, os parâmetros essenciais para se ultrapassar o difícil momento que o País que está viver. Humildade, porque é preciso reconhecer que a situação actual é o resultado de alguns graves erros cometidos nos últimos anos, sobretudo desde a Primavera de 2008, quando a crise se anunciou em toda a sua gravidade, e desde o Outono de 2009, quando se arriscou a constituição de um governo minoritário. E verdade, porque só com uma exigente autenticidade sobre a nossa situação e as suas principais causas se conseguem repor as condições de credibilidade, de coesão social e de eficácia, que são nucleares para se dar a volta à situação.
É um momento de não retorno, seja qual for o destino parlamentar do chamado PEC IV, cuja rejeição é dada como certa no momento em que escrevo (quarta-feira de manhã). E também de balanço: do balanço de um reformismo que teve na mão, em 2005, a rara oportunidade de conduzir uma mudança histórica no nosso país, em condições de absoluta excepção. E que não o conseguiu porque cedo trocou o diálogo pela arrogância, a comunicação pela manipulação e o reformismo pelo "agitismo", numa infeliz espiral de generalizada incompetência, onde se desperdiçaram as melhores energias.
De resto, seria bom perceber que a generalizada erosão que atinge hoje a legitimidade da política e a credibilidade dos partidos se deve sobretudo a isto: à crescente percepção popular da sua extraordinária incompetência, bem como da incompetência - e quantas vezes do negocismo -, das elites que lhe estão mais associadas. E há momentos em que a incompetência se pode tornar num risco para a própria democracia.
A crise internacional - do subprime, do euro - teve, claro, o seu papel, e ele foi de relevo. Mas, sobretudo, ela expôs e intensificou o que até aí tinha sido desvalorizado ou ocultado pelo optimismo oficial. Agora, enfrentamos a mais difícil crise das últimas décadas, começa a ser preciso recuar mesmo muito tempo para se encontrarem dados tão preocupantes como os que temos hoje em domínios como os da falta de crescimento (90 anos), da dívida pública (160 anos) ou do desemprego (80 anos).
É por isso que digo que, para se poder avançar para um futuro diferente, precisamos de uma ética da responsabilidade assente na humildade e na verdade. É com humildade que é preciso reconhecer que o programa que venceu as legislativas de 2009 foi, na realidade, abandonado há muito. Basta lembrar que nele não havia nem aumento de impostos, nem atrofia das prestações sociais, nem corte de salários. E que, bem pelo contrário, o que se prometeu foi um crescimento alavancado num investimento público que, simplesmente, se esfumou...
Por outro lado, a verdade impõe que se diga que a situação actual é já (limitando-nos aqui a factos incontroversos) a de um País assistido financeiramente pelo Banco Central Europeu, quer em termos de dívida pública (que se estima num total de 18 mil milhões de euros), quer em termos de troca com a banca de títulos em carteira (que se calcula em cerca de 40 mil milhões). No Le Monde de sábado passado, Cécile de Corbière lembrava que a Irlanda, a Grécia e Portugal têm entre 7% e 10% dos seus activos bancários constituídos por empréstimos do BCE, enquanto a média europeia anda em 1,5%. Portugal apresenta assim, como há dias escrevia Helena Garrido no Jornal de Negócios, todos os sinais de um país que "está a ser governado a partir de Bruxelas e de Frankfurt. E que já está tudo preparado para o Governo fazer o pedido formal de ajuda financeira à Europa e ao FMI".
A questão, agora, é a de saber por onde passa a saída da crise. Só o Presidente da República e o PS têm legitimidade para ter ainda alguma iniciativa política, no sentido de levar esta legislatura até ao fim. Mas José Sócrates está politicamente incapacitado para o tentar com êxito, e Cavaco Silva não parece entusiasmado com a ideia. É por isso que, se não acontecer algo de inesperado, as eleições se impõem, reforçando a evidência tão esquecida da curta vida dos governos minoritários.
Neste contexto, a situação é - não vale a pena escamoteá-lo - muito difícil para o Partido Socialista. Porque, ou continua Sócrates, e as eleições serão inevitavelmente um julgamento da histórica "bancarrota" a que conduziu o País, não tendo ele de resto nunca ouvido o próprio PS em nenhum dos momentos em que isso se impunha absolutamente.
Ou se faz uma pausa - como bem sugeriu José Medeiros Ferreira - para pensar, renovar e revitalizar o PS. Tentando, com uma nova liderança, retomar os seus valores patrimoniais mais importantes (e tão esquecidos), conjugando-os com uma visão de futuro que dê respostas credíveis às enormes dificuldades que vivemos.
Anunciam-se tempos de emergência patriótica. O País tem de ser colocado acima, e bem acima, dos partidos. Só um governo que esteja à altura desse imperativo será capaz de mobilizar os portugueses e de relançar Portugal. E de, ao mesmo tempo, nos reposicionar com dignidade numa União Europeia onde há muito a fazer, e onde se vai continuar a jogar muito do nosso destino colectivo.

Comentários

Anónimo disse…
Esta frase, retirada do texto de Manuel Maria carrilho, parece-me o ponto de partida para a resolução do momento que actualmente vivemos: " É por isso que digo que, para se poder avançar para um futuro diferente, precisamos de uma ética da responsabilidade assente na humildade e na verdade."

Esta é uma crise de valores, primeiro que tudo.
Em que sentido poderemos avançar se a não resolvermos primeiro?

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