Luto nacional

José Ribeiro e Castro
Público 2011-03-11
Ontem, 10 de Março, o governo assinou, em Bruxelas, a instituição de uma cooperação reforçada para a patente da UE. Por aí, será imposto um regime privilegiado para apenas três línguas (inglês, francês e alemão). E, com isso, traiçoeiramente, o governo mete uma série de golos na própria baliza de Portugal nos campeonatos europeus da competitividade, do multilinguismo e da paridade concorrencial.
Seria difícil ser-se mais desastrado, atentar tanto contra os interesses estratégicos do país. A patente da União Europeia é – diga-se – uma boa ideia. Mas o teimoso egoísmo de alguns, sobretudo alemães e franceses, e a fraqueza de outros, como os representantes portugueses, transformam-na num pesadelo.
Este passo atenta contra princípios fundamentais europeus: do multilinguismo, do mercado interno, do estado de direito, da coesão, da igualdade entre Estados-membros. E é deplorável que quem representa Portugal fugisse sistematicamente ao debate, renunciasse a defender os direitos e interesses nacionais e enveredasse por apoiar a manobra contra nós. Acredite ou não, o Presidente da Comissão Europeia é português, mesmo quando não-praticante. Acredite ou não, Sócrates e o seu governo representam Portugal. Acredite ou não, os eurodeputados do PS e PSD subscreveram a golpada. E, acredite ou não, as bancadas do PS e PSD, dois terços da representação parlamentar nacional na Assembleia da República, vergaram-se ao achincalhamento da lei e a favor de um regime iníquo para Portugal.
Custa perder o fundamental. Custa mais serem “nossos” a fazer-nos perder. História miserável, esta!
O tratado de Lisboa garantia unanimidade – Portugal jogou fora o ás de trunfo. A cooperação reforçada é golpada ilegítima – Portugal está nessa. Os princípios do mercado interno são feridos – Portugal faz de conta. A UE ficará mais franco-alemã, centralizada, connosco ainda mais periféricos e menos competitivos – governo, PS e PSD não se importam. Isto causa desemprego qualificado em Portugal, algumas falências, perdas de milhões na exportação anual de serviços – querem lá saber. A Constituição é violada – riem-se. O direito comunitário é pisado – manda quem pode, “temos que ser realistas”. A língua portuguesa é desprezada – nada de “tiques medievais”. A lusofonia é afectada – “ora, ora”.
Porque Deus não dorme, o Tribunal de Justiça decidiu, na terça-feira, que «o acordo projectado que cria um sistema unificado de resolução de litígios em matéria de patentes (actualmente designado por ‘Tribunal de Patentes Europeias e Comunitárias’) não é compatível com as disposições do TUE e do TFUE.» Boa notícia. E um grande tiro, que confirma a ilegitimidade desta trapalhada. É uma grande esperança para os que continuam a lutar.
Se houvesse decência, o Conselho pararia para pensar. Interromperia a galopada golpista lançada em Dezembro. E o governo, se tivesse um mínimo de decoro e noção do ridículo, ter-se-ia apeado da manobra, juntando-se a Espanha e Itália e trazendo outros consigo. Foi tristíssimo, ontem, ver Espanha e Itália a baterem-se bravamente - e o governante português balbuciar meia dúzia de banalidades em 40 segundos, não usar uma só palavra para defender a nossa língua, a nossa economia e a nossa igualdade e entregar-nos, assim, ao império de outros.
Não foi só dia de luto. Foi pior! – de vergonha.

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