A Europa falharia se o euro falhasse?
Público 2011-03-14 João Carlos Espada
Para os polacos, a União Europeia é um seguro de vida para as suas liberdades, democracia e primado da lei
Numa recente conferência promovida pela Fundação Konrad Adenauer em Málaga, foi-me proposto que falasse sobre o tema que dá título a este artigo. Não creio que o euro vá falhar, nem sequer que esteja em crise séria. O euro tem sido um sucesso notável e não está exactamente em crise. Estão em crise alguns países da zona euro, por razões que não decorrem directamente do euro, mas da indisciplina financeira com a qual usaram o euro.
Em qualquer caso, se o euro falhasse, a Europa falharia? A minha resposta é um rotundo não. É uma resposta particularmente evidente para os países da Europa Central e de Leste, designadamente a Polónia, que, na sua esmagadora maioria, não pertencem ao euro. Para eles, tal como para mim, a Europa e a União Europeia são muito mais do que o euro - embora o euro seja seguramente importante.
Bronislaw Geremek tinha especial empenho em sublinhar a largueza do projecto europeu e da ideia de civilização europeia. Escreveu ele, por exemplo: "Acredito que na Europa Ocidental o sentido de pertença à civilização europeia é percepcionado de forma menos forte do que nos países da Europa Central. Para nós, tem sido sempre uma aspiração, enquanto que, na Europa Ocidental, o processo de unificação tem avançado com dificuldade e tem sido associado a quezílias sobre a política agrícola. Parecia que a Comissão Europeia nunca conseguiria resolver a questão da produção e venda de ovos" (The Common Roots of Europe, p. 14).
Não pretendo sugerir que o euro esteja ao mesmo nível que "a produção e venda de ovos". Mas a observação de Geremek é útil para nos recordar que o projecto europeu vai para além da moeda única. Uma observação semelhante foi feita por Norman Davies, um dos grandes historiadores contemporâneos da Polónia: "Para os polacos, o Ocidente é um sonho, uma terra para lá do arco-íris, o paraíso perdido. Os polacos são mais ocidentais no seu olhar sobre o mundo do que os habitantes da maior parte dos países ocidentais."
Para os polacos, com efeito, a União Europeia é muito mais do que a moeda única, à qual não pertencem. É, tal como foi para Portugal, Grécia e Espanha, um seguro de vida para as suas liberdades, democracia e primado da lei. É um seguro de vida para a sua independência face à Rússia. E deve funcionar como um exemplo de liberdade para os países da vizinhança oriental da Europa.
Numa palavra, para a Polónia e os países da Europa Central e Oriental, a Europa é sobretudo acerca da liberdade. E nós podíamos deixar-nos de novo inspirar por esse ideal europeu de liberdade. E podíamos enfrentar as dificuldades na zona euro com esse espírito de liberdade.
Podíamos reclamar a drástica redução dos desperdícios da despesa pública. Podíamos reclamar que os serviços estatais hoje protegidos artificialmente da concorrência passassem a depender da escolha livre dos consumidores. Podíamos reclamar a redução do enorme hiato entre os privilégios do sector estatal e as condições de funcionamento concorrencial do sector privado.
Se fizéssemos isso, podíamos vencer a ameaça populista e anti-europeia que cresce em vários países da União. E podíamos superar a crescente divisão artificial entre o Sul e o Norte. A causa das dificuldades do Sul não está na avareza do Norte, nem na preguiça do Sul. A causa é a mesma a sul e a norte, este e oeste: o desperdício de dinheiro dos contribuintes por vastas burocracias que não prestam contas à escolha livre dos consumidores.
Eis o que podíamos fazer. Podíamos, numa palavra, reclamar de novo a liberdade como ideia central do projecto europeu. Não o devemos fazer por causa do euro, mas por causa da ideia de liberdade que distingue a civilização europeia. Mas, se o fizermos, haverá um bónus adicional: o euro, seguramente, não falhará.
Director do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa; titular da cátedra European Parliament/Bronislaw Geremek in European Civilization no Colégio da Europa, Campus de Natolin, Varsóvia
Para os polacos, a União Europeia é um seguro de vida para as suas liberdades, democracia e primado da lei
Em qualquer caso, se o euro falhasse, a Europa falharia? A minha resposta é um rotundo não. É uma resposta particularmente evidente para os países da Europa Central e de Leste, designadamente a Polónia, que, na sua esmagadora maioria, não pertencem ao euro. Para eles, tal como para mim, a Europa e a União Europeia são muito mais do que o euro - embora o euro seja seguramente importante.
Bronislaw Geremek tinha especial empenho em sublinhar a largueza do projecto europeu e da ideia de civilização europeia. Escreveu ele, por exemplo: "Acredito que na Europa Ocidental o sentido de pertença à civilização europeia é percepcionado de forma menos forte do que nos países da Europa Central. Para nós, tem sido sempre uma aspiração, enquanto que, na Europa Ocidental, o processo de unificação tem avançado com dificuldade e tem sido associado a quezílias sobre a política agrícola. Parecia que a Comissão Europeia nunca conseguiria resolver a questão da produção e venda de ovos" (The Common Roots of Europe, p. 14).
Não pretendo sugerir que o euro esteja ao mesmo nível que "a produção e venda de ovos". Mas a observação de Geremek é útil para nos recordar que o projecto europeu vai para além da moeda única. Uma observação semelhante foi feita por Norman Davies, um dos grandes historiadores contemporâneos da Polónia: "Para os polacos, o Ocidente é um sonho, uma terra para lá do arco-íris, o paraíso perdido. Os polacos são mais ocidentais no seu olhar sobre o mundo do que os habitantes da maior parte dos países ocidentais."
Para os polacos, com efeito, a União Europeia é muito mais do que a moeda única, à qual não pertencem. É, tal como foi para Portugal, Grécia e Espanha, um seguro de vida para as suas liberdades, democracia e primado da lei. É um seguro de vida para a sua independência face à Rússia. E deve funcionar como um exemplo de liberdade para os países da vizinhança oriental da Europa.
Numa palavra, para a Polónia e os países da Europa Central e Oriental, a Europa é sobretudo acerca da liberdade. E nós podíamos deixar-nos de novo inspirar por esse ideal europeu de liberdade. E podíamos enfrentar as dificuldades na zona euro com esse espírito de liberdade.
Podíamos reclamar a drástica redução dos desperdícios da despesa pública. Podíamos reclamar que os serviços estatais hoje protegidos artificialmente da concorrência passassem a depender da escolha livre dos consumidores. Podíamos reclamar a redução do enorme hiato entre os privilégios do sector estatal e as condições de funcionamento concorrencial do sector privado.
Se fizéssemos isso, podíamos vencer a ameaça populista e anti-europeia que cresce em vários países da União. E podíamos superar a crescente divisão artificial entre o Sul e o Norte. A causa das dificuldades do Sul não está na avareza do Norte, nem na preguiça do Sul. A causa é a mesma a sul e a norte, este e oeste: o desperdício de dinheiro dos contribuintes por vastas burocracias que não prestam contas à escolha livre dos consumidores.
Eis o que podíamos fazer. Podíamos, numa palavra, reclamar de novo a liberdade como ideia central do projecto europeu. Não o devemos fazer por causa do euro, mas por causa da ideia de liberdade que distingue a civilização europeia. Mas, se o fizermos, haverá um bónus adicional: o euro, seguramente, não falhará.
Director do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa; titular da cátedra European Parliament/Bronislaw Geremek in European Civilization no Colégio da Europa, Campus de Natolin, Varsóvia
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