Plano contingente

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DN2010.04.19
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
O longo sofrimento da Grécia às mãos dos mercados financeiros internacionais tem apaixonado o mundo. Portugal segue o episódio com especial interesse porque é universalmente reconhecido como o próximo na fila, a quem sucederão coisas semelhantes se continuar este caminho.
É preciso dizer que os mercados não são entes perversos nem sofrem de uma doentia "helenofobia". São pessoas que emprestaram muito dinheiro à Grécia e têm justos receios de perderem as suas poupanças. Os gregos esbanjaram milhões tolamente e, pior, não parecem capazes de controlar a sangria. É bom não inverter as coisas: a Grécia é o vilão, não a vítima. Também a relutância dos parceiros comunitários em ajudar é compreensível. Até porque os alemães sabem que se reformam em média dez anos depois dos gregos. Não é fácil ter pena de caloteiros preguiçosos que não se emendam. Somos os próximos da lista.
Também é bom lembrar que não se trata de uma doença incurável. Há seis meses, além da Grécia e Portugal, havia outro país europeu na mira dos mercados, aliás mais atacado. Bastou a Irlanda apresentar o seu violento Orçamento do Estado para 2010, com aquilo que governantes portugueses apelidaram de "medidas populistas", como a redução dos salários públicos incluindo do primeiro-ministro, e deixou de se falar dela. Quem mostra decisão e seriedade no tratamento das suas dívidas é reconhecido pelos credores.
Portugal provou o mesmo. O anúncio do acordo prévio entre Governo e oposição para aprovar o nosso Orçamento de 2010 levou os mercados a reagir favoravelmente, e os juros desceram. A posterior desilusão perante a ligeireza do documento estragou tudo. Nem a publicação do Programa de Estabilidade e Crescimento para 2010-2013, duro no futuro vago, eliminou as suspeitas. Permanecemos um país sob vigilância. E qualquer pessoas sensata compreende que assim seja.
Não é para já, mas paira sobre nós a sombra do calvário grego, com sucessivos apertos de austeridade, depois descredibilizados e reforçados. Existe uma maneira simples e barata de evitar tudo isto, aproveitando a margem de manobra que ainda temos. O Governo português devia apresentar já um forte plano de austeridade, mas contingente ao agravar da situação. Isto significa que agora, antecipadamente aos temores dos credores, era concebido e publicado um pequeno conjunto de medidas de forte aperto, para lá daquelas que constam no PEC 2010-2013. Aí estariam a subida de impostos e a descida de salários à irlandesa, que o PEC não quis incluir. Seria declarado que tal plano de emergência estaria imediatamente em execução logo que a situação o exigisse. Mas essa eventualidade não seria deixada indefinida e teria uma condição bem clara. Até poderia estar ligada à própria reacção dos mercados. Por exemplo, entraria em vigor assim que a taxa de juro da dívida portuguesa estivesse mais de uma semana 200 ou 300 pontos-base acima da alemã.
Deste modo se mostraria compromisso sério perante os credores sem, para já, sofrer restrições desnecessárias. Se a coisa fosse bem feita, a confiança dos mercados, gerada pelo próprio plano contigente, chegaria para evitar a eventualidade. Conseguir-se-ia assim a solidez irlandesa sem custos exagerados. Pode dizer-se que esta estratégia é aplicação de uma das mais geniais criações lusitanas na gestão de conflitos: o "agarrem-me senão eu bato-lhe". A frase tão original das nossas tabernas marca posição sem sofrer consequências, abrindo uma criativa terceira via em dilemas aparentemente fechados.
A ideia merece ser tentada, até por ter custos mínimos. Existe um grande obstáculo: não se vê ninguém no Governo com visão e coragem para se atrever a algo tão imaginativo. Pelo contrário, todos parecem apostados em descartar culpas, jogar pingue-pongue partidário, fingir que as antigas promessas não foram rompidas. No partido do poder só existe uma personalidade capaz de tal criatividade e originalidade, o eng. José Sócrates de 2005. Lembra-se dele, antes de o senhor primeiro-ministro o ter expulsado?

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