O silêncio de Deus

 Jaime Nogueira Pinto
 i-online 20 de Abril de 2010

Bento XVI faz bem em ouvir as vítimas dos crimes de pedofilia praticados por pastores da Igreja. Para que não se possa repetir
Ao ser uma das últimas e raras instâncias a defender verdades e valores absolutos num mundo dominado pelos apóstolos do relativismo filosoficamente correcto, a Igreja Católica é uma instituição a combater e abater. A ideia de princípios, interditos, sanções, regras, juízos de valor que não sejam meramente condicionais ou pragmáticos escandaliza a consciência pós-moderna, expressa por intelectuais, colunistas, jornalistas e fazedores de opiniões médias e mediáticas.
Assim, o conhecimento dos actos de pedofilia praticados por clérigos e de alguns casos de ocultação cúmplice por parte dos seus superiores transformou-se numa espécie de bomba nuclear, contra a Igreja, o Papa e os católicos. Estes são acusados de mentira, de hipocrisia, de farisaísmo, de uma inqualificável contradição entre o pregado e defendido e o praticado.
Falemos com clareza: estes actos, além de repugnantes e criminosos à luz das leis de Deus e dos homens, são quase imperdoáveis e sempre inesquecíveis. Digo quase imperdoáveis porque não há pecados sem perdão nem portas do Inferno que detenham a misericórdia de Deus - que segundo Michail Bulgakov, em "O Mestre e Margarida", tocou Judas e, para o Papini de "O Diabo", o próprio Lúcifer (perdoem-me esta "teologia" literária).
Porque foram as portas do Inferno que estes sacerdotes pedófilos (na sua maioria também homossexuais, pois escolheram os seus pares e as suas vítimas entre pessoas do mesmo sexo) abriram para os inocentes de que abusaram, que escandalizaram e dilaceraram para sempre. E entreabriram- -nas para nós, seus irmãos na fé, que temos de partilhar a consciência e a consequência do pecado e do crime deles. E sofrer, por esse pecado e esse crime, e perguntar onde estava Deus na hora em que esses maus pastores, abusando e pervertendo o que há de mais sagrado, abusaram da autoridade, da condição e do carisma e, acima de tudo, da confiança que leva uma criança ou um jovem a olhar o padre como um pai.
Ao ver essa confiança traída sentiram com certeza que Deus estava ausente, tinha morrido, ou não queria saber deles na hora em que foram, como naquelas orgias de pesadelo descritas por Sade, entregues à humilhação e à perversidade supremas, sem apelo, sem esperança, sozinhos no medo e na vergonha.
Não se pode calar, não se pode ocultar, (quase) não se pode perdoar. O próprio Cristo destinou aos predadores de corpos e almas dos inocentes o pior dos castigos, na célebre referência à pedra do moinho que os levaria para o fundo dos mares.
Faz bem Bento XVI em ouvir estas vítimas e em nome de todos nós pedir-lhes perdão. Não se pode esquecer para que não se possa repetir é preciso também punir e prever. Para que Deus saia do Seu silêncio.

Professor universitário

Comentários

Gostei da ideia de Redenção aqui presente e tão afastada, da nossa forma de lidar com os que repudiamos.
Vivemos num tempo de farisaísmo (mal) disfarçado.

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