O futuro incerto

Inês Teotónio Pereira
ionline 2015.03.28

Em Portugal uma criança com 14 anos tem de escolher uma via de ensino e com isso definir aquilo que quer ser quando for grande
Nenhum dos meus cinco filhos que frequentam a escola sabe o que quer ser quando for grande. Aliás, eles até sabem mas mudam de ideias todos os meses conforme os filmes que vêem, os livros que lêem ou os heróis que vão elegendo. Um deles, em apenas um ano, já passou de físico para investigador criminal e agora quer ser gestor ou empreendedor. Esta dinâmica frenética faz com que ele vá apostando nas disciplinas à vez, conforme os vários futuros nos quais se imagina a viver. Tenho outro que não desiste da ideia de ser treinador de futebol, mas conforme cresce vai tendo cada vez mais dúvidas sobre a possibilidade de vir a treinar o Real de Madrid. E só falo dos mais velhos, que estão prestes a terem de fazer escolhas que paradoxalmente lhes vão limitar as opções de futuro. Os outros três ainda nem se imaginam a trabalhar.
Com 14 anos ainda não se sabe o suficiente para se escolher coisa alguma e não há um sistema de ensino que consiga garantir isso mesmo. E aqui está o principal erro da maioria dos sistemas de educação: a arrogância de pensar que a educação de hoje deve ser definida com base naquilo que hoje se acha que vai ser o futuro. Ora, este raciocínio está armadilhado por uma condição simples: ninguém sabe como vai ser o futuro e quais as necessidades. A única coisa que sabemos do futuro é que o desconhecemos e que as necessidades serão certamente diversas.
Em Portugal uma criança com 14 anos tem de escolher uma via de ensino e com isso definir aquilo que quer ser quando for grande. Ou seja, é pacífico assumir que uma criança com 14 anos sabe que profissão quer ter e que já tem instrumentos suficientes para definir o seu futuro. E se não souber, paciência. O ainda não sei, não é resposta. Perante esta inevitabilidade o que normalmente acontece é que os alunos escolhem a via de ensino com base naquilo em que são mais fracos e não com base naquilo que querem ser ou fazer por legitimamente ainda não terem a certeza. Na prática, um aluno que não consegue ter boas notas em Matemática escolhe a via de humanidades, outro que não vinga no Português e que se chateia com História, investe nas ciências, e aqueles que não gostam nem de uma coisa nem de outra, vão para as vias profissionalizantes. Estas escolhas determinam depois o prosseguimento de estudos no ensino superior e com isso a qualificação de toda a população. Ou seja, em Portugal ou se tem um talento e uma vocação especial que se revelou até aos 14 anos ou a opção que determina uma vida é baseada simplesmente pela desistência de determinadas disciplinas. Até porque nesta idade o futuro é apenas o próximo fim-de-semana. O sistema vive bem com isto e o país também. Um sistema que além de ser uniforme e de apostar pouco na diversidade vai afunilando as opções tornando cada vez menos livres as escolhas.
O resultado de termos hoje um sistema que nasceu com a revolução industrial e que desde então para cá não alterou a sua matriz é que os nossos filhos têm duas vidas distintas e terão ainda uma terceira quando crescerem. Têm uma vida na escola, em que aprendem mais ou menos o mesmo que os seus avós aprenderam e através dos mesmos métodos, têm uma vida em casa, onde dominam a interactividade, as novas tecnologias e a velocidade de informação e terão ainda uma terceira vida quando crescerem e que ninguém pode garantir como vai ser. Muito menos eles com apenas 14 anos. Garantir diversidade não é criar encruzilhadas, é revelar sempre novos caminhos. É verdade que em Portugal os primeiros passos estão a ser dados, mas a viagem advinha-se longa.

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