Não há horas novas

MIGUEL ESTEVES CARDOSO Público | 30/03/2015

Ir atrás do tempo é uma das poucas liberdades que nos restam.

A sério: esta hora que nos tiraram contribuiu para a alegria de alguém? Existe ainda algum agricultor que se esteja disposto a afirmar publicamente que ganhou com a troca meramente superficial das horas?
Haverá uma única planta no mundo que olha para o relógio para crescer ou deixar-se ficar? Haverá um único agricultor que trabalhe e funcione segundo a hora oficial? Não acredito.
Quem dá e tira vai para o inferno. O nosso planeta está preso numa viagem permanente e previsível que nos dá as estações dos anos, os meses, as semanas e as horas.
O artifício estúpido de "dar" ou "tirar" uma hora é a manobra mais escusada e estúpida desde que o tempo começou. Envolve-se numa contabilidade imaginária, mas não menos parôla ou palerma por causa disso, segundo a qual, uma semana depois de ter chegado a Primavera, podemos acordar mais cedo.
Na verdade física e climatérica das coisas,  quanto melhor é o tempo menos precisamos de dormir. A mudança de hora é estúpida porque parte do princípio que não somos capazes de acompanhar as horas regularmente diferentes do nascer e do pôr do sol. Isto é, opôe-se à mais fácil e natural das aceitações: que o tempo é como é - e nós não podemos fazer mais nada senão navegar dentro dele.
A hora nova - o British Summer Time, hi hi - é uma presunção politicamente correcta com cada vez menos defensores. É preciso rejeitá-la: é o próprio universo que o exige.
Ir atrás do tempo é uma das poucas liberdades que nos restam.

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