Wanda Półtawska, «Kaninchen» 7709
No início da
Segunda Guerra Mundial, Wanda Wojtasik, uma católica polaca de 17 anos, juntou-se
à resistência. A Gestapo apanhou-a, torturou-a para lhe arrancar os nomes dos
companheiros e, como não conseguiu, fecharam-na no campo de concentração de
Ravensbrück, juntamente com centenas de milhares de outras mulheres, amontoadas
num recinto incrivelmente pequeno para tanta gente, obrigadas a trabalhar até à
exaustão, muitas vezes com neve. A maioria delas morreu, mas o número total foi
sempre em aumento, por causa do afluxo de novas prisioneiras. Perdiam tudo, até
o nome, substituído por uma matrícula.
A 7709 passou
pelas torturas extravagantes de Ravensbrück. Uma das piores era o pavilhão das
lésbicas, onde algumas prisioneiras descontroladas agrediam as outras e se
exibiam, enlouquecidas. Impressiona que as crianças fossem um dos alvos e
impressiona a reacção da maioria das prisioneiras (a maioria católicas
praticantes), agarradas à oração, no meio daquele delírio de violência e
degradação.
A 7709 foi também
escolhida para servir de «Kaninchen» (cobaia, na linguagem macabra de Ravensbrück).
Partiam os ossos às «Kaninchens», infectavam-lhes as feridas com madeiras e
trapos sujos (não vale a pena adiantar pormenores) e a seguir ensaiavam
medicamentos novos, a ver quem resistia. Muitas não aguentavam e as que sobrevivessem
deveriam ser mortas. Neste ponto da história, aconteceu um momento sublime de
ternura. A multidão das prisioneiras de Ravensbrück, que morria de fome e de
frio, pediu clamorosamente que poupassem as «Kaninchens» e – mais estranho
ainda – as SS aceitaram o pedido. Em 1945, quando os soviéticos chegaram, a
7709 foi libertada.
Demorou muito
tempo até a 7709 se habituar a ser novamente Wanda. As dores atrozes e os
pesadelos ficaram para sempre. Casou-se com o Prof. Andrzej Półtawska, com quem
teve 4 filhas, e ainda arranjou força para fazer o curso de medicina e
especializar-se em psiquiatria.
Lembrei-me desta
mulher quando li a mensagem do Papa Francisco neste Natal: «o meu pensamento
vai para todos as crianças que hoje são mortas e maltratadas... antes de verem
a luz, privadas do amor generoso dos seus pais e sepultadas no egoísmo de uma
cultura que não ama a vida».
Em plena ditadura
comunista, Wanda Półtawska comparou o drama do aborto com o Holocausto, deixando
as comunistas polacas de cabeça perdida. E, em vez de voltar atrás, insistiu:
«como é que dizem defender a liberdade da mulher e condenam à morte os seres
mais indefesos que existem no mundo? O número de abortos realizados no planeta
é aterrador e ultrapassa em muito o número de vítimas de todas as guerras».
Wanda vira
recém-nascidos a serem atirados para os fornos de Ravensbrück e prometera a si
mesma que, se sobrevivesse, estudaria e trabalharia para defender a vida
humana.
O encontro de
Wanda com o Padre Karol Wojtyła foi decisivo e durou para sempre. Quando não
podiam encontrar-se, trocavam cartas, que Wanda Półtawska reuniu, com
considerações suas, num volume intitulado «Diário de uma Amizade» (publicado
depois da morte de João Paulo II, editado em português pela Paulus). Os textos
centram-se na Eucaristia e na importância da oração. Há também cartas muito
interessantes sobre o sentido do sofrimento e a santificação da vida familiar e
profissional. O prólogo é do marido, Andrzej Półtawska.
A intensa amizade
desta família com Karol Wojtyła inclui muitas colaborações e alguns favores curiosos.
Em 1962, quando o Bispo Wojtyła estava em Roma para o Concílio Vaticano II, Wanda
foi internada no hospital com cancro. O marido preveniu Wojtyła por telegrama e
este escreveu uma carta ao Padre Pio de Pietralcina, um franciscano com fama de
santidade, para que pedisse a Deus o milagre. A cura foi total e inexplicável,
e o Bispo Wojtyła voltou a escrever ao Padre Pio, a agradecer-lhe a oração.
José Maria C. S. André
«Correio dos Açores», «Verdadeiro Olhar», «ABC Portuguese
Canadian Newspaper», 4-I-2015
Wanda Półtawska
com o Padre Karol Wojtyła.
com o Padre Karol Wojtyła.
Wanda Półtawska com o marido,
no lançamento da edição polaca
de «Diário de uma Amizade»
no lançamento da edição polaca
de «Diário de uma Amizade»
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