“Tenho, muito orgulho em ser professor à 10 anos”

Henrique Monteiro, Expresso, 2015.01.28

A Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) revelou a falta que fazia. Pesem algumas perguntas confusas, cujo enunciado é infeliz, teve o condão de nos revelar o inimaginável: há professores que não distinguem verbos de preposições e que desconhecem que não se colocam vírgulas entre o sujeito e o predicado.
Não me refiro, obviamente, apenas a professores de português, ou das áreas de Letras. Há coisas que são como 2+2 – todos têm de saber o resultado e as regras básicas (como que a ordem dos factores é arbitrária, ou vice-versa, a raiz quadrada de um número), independentemente da área de que provem. Para aqueles que diziam que o exame era inútil, esta é uma resposta inequívoca.
Devo dizer que, apesar de aluno de Letras, nunca percebi duas coisas: uma, é por que razão a pedagogia acabou por tomar o lugar do conhecimento na construção da carreira de professor. São ambas erradas. Eu penso que não fui professor e que o país (e eu pessoalmente, sem dúvida) ganhou com isso.
Respeito demasiado os professors sérios e competentes para pensar que poderia ser como eles. Repetir vezes sem conta a matéria, até os alunos a entenderem; viver num meio agressivo e, por vezes, mal criado e violento sem poder responder à altura; ser, no geral, mal pago.
Dito isto, não entendo igualmente por que motivo, caso uma escola me quisesse contratar para dar aulas de alguma disciplina em que eu tivesse ou tenha conhecimentos necessários para leccionar uma ou mais turmas, um ou mais anos, não o possa fazer porque nunca teve formação em pedagogia.
Conheço, todos conhecemos pessoas sem qualquer formação em pedagogia que são professores natos. Qualquer jornalista habituado a entrevistar as mais diversas pessoas sabe que algumas delas têm um poder fantástico para interessar os outros sobre as matérias mais estranhas. E sem nunca passarem por cursos de pedagogia.
Na verdade, o amor à arte e ao conhecimento, o entusiasmo que se põe em cada tarefa, é do meu ponto de vista, a melhor pedagogia, ou se preferirem, o modo simples de transmitir a outros o nosso conhecimento. Não nego que haja aspetos da pedagogia que são fundamentais, o que não posso crer é que se transforme a  pedagogia em condição sine qua non.
Na verdade, de que serve ela, quando um professor não distingue, como se viu, a contração de uma proposição com um artigo (à) com o presente do indicativo do verbo haver (há) – peço desculpa se as palavras 'indicativo' e 'proposição' já não correspondem ao que quero dizer, mas há muito que não pego em manuais modernos de gramática.
Dir-me-ão: mas os jornais, os teus próprios textos, não estão cheios de gralhas e erros. Sim é verdade, e essa seria outra conversa. Por três motivos: alguns de nós sabem pouco sobre a língua portuguesa, outros são obrigados a escrever a velocidades quase supersónicas e nenhum de nós é professor. Ou seja, não tem por objectivo essencial cultivar, ensinar, transmitir conhecimentos, mas informar. Ora, informar, não é o mesmo do que conhecer; assim como conhecer não é o mesmo do que saber. São três categorias diferentes que obviamente dariam, como se costuma dizer, muito pano para mangas.
Mas volto à minha: um professor não distinguir 'à' de 'há', não saber quando uma palavra tem 'ç' ou dois 's'? , separar o sujeito e o verbo por uma vírgula é indesculpável.
O resto, aquilo que o Ministério considera a avaliação do "raciocínio lógico e crítico" tem também muito que se lhe diga. Até porque alguns enunciados são tudo menos lógicos. Mas penso que basta um punhado de professors não saber o básico, para ficarmos preocupados com o modo como eles são formados.

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