Liberdade religiosa


Inês Teotónio Pereira
ionline 2015.01.10

Ser gozado, criticado ou até ostracizado por professar uma religião não restringe a nossa liberdade religiosa
Desde pequena que vou à missa todos os domingos e dias santos. Também andei na catequese, rezo, confesso-me, faço jejum e abstinência na Sexta-Feira Santa e tenho uma agenda carregadinha de outros deveres religiosos que me imponho com a orientação da Igreja, que frequento e na qual acredito. Sou, portanto, aquilo a que se pode chamar uma católica praticante. Esta dimensão religiosa da minha vida não me torna uma pessoa melhor que ninguém, não me dá qualquer superioridade moral e não diz nada sobre a minha bondade. Diz apenas e só que sou católica praticante, que procuro a felicidade no encontro com Deus e que professo uma religião. E professo a minha religião em absoluta liberdade. Ou seja, nada nem ninguém condiciona a minha prática religiosa, que é para mim qualquer coisa tão natural como o ar que respiro. Quando iniciei esta cruzada civilizacional de constituir uma prole empenhei-me em educar os meus filhos religiosamente, da mesma forma que os meus pais me educaram: missa, sacramentos, catequese, peregrinações, lanches partilhados em barda, grupos de jovens, etc. Os únicos sobressaltos que vou encontrando neste caminho são as perguntas complicadas que os meus filhos me fazem, às quais na maioria das vezes não sei responder ou respondo mal (tenho vindo a aperfeiçoar a técnica, mas ainda assim evito os temas referentes ao Antigo Testamento com o seu Deus castigador). A minha vida religiosa é pacífica, assim como a dos meus filhos.

Estamos mal habituados. Não somos coptas no Egipto nem vivemos na Coreia do Norte, o que torna tudo mais simples e nos permite ser católicos sem sofrermos por isso. Mas no outro dia o meu filho mais velho dizia-me do alto da sua sapiência de 14 anos: "Acho que vai ser muito complicado ser católico quando for mais velho: quase ninguém é e há cada vez mais pessoas que acham estranho eu ir à missa todos os domingos e ainda ir à catequese. Até gozam..." Ou seja, os problemas do meu filho são dois: acha que pertence a uma minoria e é gozado, o que faz da sua prática religiosa, presente e futura, uma enorme complicação e um desafio. E por isso vê a sua liberdade condicionada. Ele acha que o respeitinho que todos devem ter por aquilo em que ele acredita é uma condição suficientemente relevante para ele continuar a acreditar.

Mas a verdade é que não é, e ele só acredita nisso porque, assim como eu, também está muito mal habituado. Ser gozado, criticado ou até ostracizado por professar uma religião não restringe a nossa liberdade religiosa. Chateia, é certo. Muitas vezes ofende e condiciona o que dizemos, escrevemos ou fazemos. Mas esses condicionalismos são apenas opções nossas: nós temos a liberdade de nos deixar condicionar ou não. Criticar e gozar com os católicos é um desporto nacional e internacional e não faz mal que assim seja. A liberdade de criticar e gozar é tão válida como a liberdade religiosa. O contrário, ou seja, impor e estabelecer regras de crítica à religião é tão estapafúrdio como impor limites às práticas religiosas. É por isso que os mesmos que afirmam hoje que são Charlie Hebdo devem, em nome da coerência, ser Charlie Hebdo quando as suas ideologias, práticas, convicções e doutrinas são atacadas, gozadas e criticadas e não tenham a tentação de intimidar ou de ameaçar quem as faz. Defender a liberdade é fácil, só é difícil quando achamos que valores altos se levantam. Mas não, não há outros valores mais altos e todos eles só existem quando há liberdade. Ser Charlie Hebdo é não intimidar quem nos ofende; não é apenas ser contra assassinos e terroristas.

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