O estilo de Francisco

observador, 2015.01.24
Na Igreja há espaço para os mais variados estilos pastorais, desde que em sintonia com Cristo que, apesar da enérgica expulsão dos vendilhões do templo, é, como disse, "manso e humilde de coração".

Caíram o Carmo e a Trindade quando o Papa Francisco, a caminho das Filipinas, comentou, de forma insólita, os recentes atentados em França. Depois de condenar o terrorismo e a aberração de matar inocentes em nome de Deus, acrescentou: "É verdade que não devemos reagir com violência, mas se o Dr. Gasbarri, que é um grande amigo, ofender a minha mãe, deve estar preparado para levar um soco. É normal. Não se pode provocar, não se pode insultar a fé dos outros. Não se pode ridicularizar a religião dos outros". Embora o referido Dr. Alberto Gasbarri não se tenha incomodado com a ameaça do murro pontifício, caso tivesse a infeliz ideia de ofender a mãe de Jorge Mário Bergoglio, a imprensa internacional reagiu com menos bonomia à vigorosa metáfora papal.
Ante uma generalizada condenação dos termos da declaração de Francisco, de que David Cameron terá sido o mais categorizado expoente, o próprio Papa reconheceu que não tinha sido bem entendido, pois as suas palavras não pretendiam desmentir o mandamento da caridade, que obriga a amar os inimigos e a oferecer, não um soco, mas a outra face, a quem nos golpeia e insulta.
Um cristão, mesmo quando injustamente ofendido ou insultado, não pode reagir segundo a lei do talião, que se rege pelo princípio primário do "olho por olho, dente por dente". Pelo contrário, de um discípulo de Cristo espera-se sempre uma palavra de caridade e de perdão, segundo a lei de Deus, que prescreve, na sua versão cristã, o amor aos inimigos. É isso que faz a diferença, não apenas com os discursos laicos, que por regra propugnam uma justa retaliação, mas também com outras religiões, sobretudo as que incitam ao ódio e à vingança.
No voo de regresso das Filipinas, mais uma vez numa aérea conferência de imprensa, o Papa teve ocasião de esclarecer que a reacção violenta perante uma ofensa ou uma provocação "não é uma coisa boa" e que, segundo o Evangelho, é preciso "oferecer a outra face". Era o que bastava para dar o incidente por definitivamente ultrapassado, mas houve quem quisesse promover um escândalo mediático. Talvez haja algum farisaísmo nos que aplaudem a irreverência ofensiva e ordinária de uma revista, ao ponto de com ela se identificarem, mas rasgam as vestes com um dizer de Francisco que, embora ambíguo, não era insultuoso para o Dr. Gasbarri, expressamente referido como "grande amigo", nem para mais ninguém. Afinal, Charlies, não tínhamos concluído que a liberdade de pensamento e de expressão era para todos?!
O mundo e a Igreja estavam mal habituados quando o cardeal Bergoglio foi eleito bispo de Roma. Não é fácil suceder a um teólogo da nomeada de Bento XVI, nem a um santo com o perfil de São João Paulo II. Francisco, não obstante a sua envergadura teológica e a profundidade da sua espiritualidade, pretende sobretudo ser um pastor muito próximo do seu rebanho e, por isso, privilegia o anúncio da fé na simplicidade de uma linguagem comum, que talvez um académico, como Ratzinger, ou um místico, como Wojtyla, não usariam. Mas a diversidade dos carismas destes três últimos papas não se podem nem devem comparar, até porque são apenas diversos estilos de anunciar a mesma mensagem. Consta que, num período de sede vacante, três principais candidatos – um santo, um teólogo e um pastor – se perfilavam para sucederem na sede petrina. Questionado a este propósito, São Bernardo de Claraval judiciosamente afirmou: O santo, que reze por nós; o douto, que nos ensine; e o prudente, que nos governe.
Neste pequeno mundo, Francisco, mais do que papa reinante, como dantes se dizia, quer ser apenas o pároco da aldeia global, como o saudoso S. João XXIII. Talvez pareça muito frontal e impulsivo – quem não recorda o seu fortíssimo sermão natalício aos eminentíssimos senhores cardeais da cúria?! – mas é por razão do seu zelo apostólico e da sua solicitude pastoral para com as almas que tem de apascentar. Também João e Tiago, que Jesus apelidou "filhos do trovão", o eram, ao ponto de o Mestre censurar o seu pedido de exterminação dos samaritanos que os não tinham recebido. Na realidade, na Igreja há espaço para os mais variados estilos pastorais, desde que em sintonia com Cristo que, não obstante a enérgica expulsão dos vendilhões do templo, é, como disse de si mesmo, "manso e humilde de coração".

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