Três perguntas sobre Winston Churchill

JOÃO CARLOS ESPADA Público 26/01/2015 - 01:13
Churchill tinha uma orgulhosa confiança na tradição da liberdade europeia e ocidental.

Muitas perguntas difíceis e estimulantes podem ser hoje colocadas sobre Churchill, 50 anos após a sua morte, a 24 de Janeiro de 1965. Por óbvias limitações de espaço, gostaria de escolher apenas três: (1) como explicar a intransigente oposição de Churchill ao comunismo e ao nacional-socialismo, desde o início de ambos e sem qualquer hesitação?; (2) como explicar a sua recusa solitária de qualquer negociação com Hitler, mesmo quando, em 1940, a superioridade militar nazi era evidente e triunfante no continente europeu?; (3) como explicar a sua, de novo solitária, denúncia da "cortina de ferro", em 1946, quando a Inglaterra e a Europa estavam exaustas pela guerra?

Parece-me que existe um início de resposta comum às três perguntas. Churchill tinha uma orgulhosa confiança na tradição da liberdade europeia e ocidental. Ele via essa tradição sem complexos de culpa — complexos coloniais, ou imperiais, ou capitalistas, ou aristocráticas, ou o que quer que fosse. Era uma tradição que tinha dado, e continuava a dar, um contributo claramente positivo, civilizador, à humanidade. Tinha cometido erros e abusos, sem dúvida, como qualquer empreendimento humano, sempre falível e imperfeito. Mas era uma boa causa, na qual ele sempre se sentiu confortável e da qual se sentia grato herdeiro.

No interior desta tradição, Churchill tinha um afecto especial pela tradição política dos povos de língua inglesa. Esta tradição era parte da tradição europeia e ocidental, comungando das mesmas raízes greco-romana, judaica e cristã. Não era uma outra tradição. Mas tinha características especiais. Uma das mais importantes residia na sua alergia a revoluções e à linguagem da inovação revolucionária.

A mais recente revolução inglesa ocorrera em 1688 e tinha sido feita em nome da restauração das antigas liberdades da Magna Carta, de 1215. Fora uma revolução relutante, moderada, promovida por um bloco central de monárquicos moderados (Tories) e republicanos moderados (Whigs), cujos objectivos expressos eram evitar uma nova guerra civil em Inglaterra e tornar desnecessária qualquer nova revolução. Estes moderados viam a restauração das antigas liberdades da Magna Carta — um governo limitado pela lei que presta contas ao Parlamento — como forma de domesticar, amaciar, civilizar (mas não utopicamente abolir ou asfixiar) os conflitos radicais.

Enquanto admirador e estudioso desta tradição, Churchill só podia reagir com horror, desde o início, aos fundamentalismos revolucionários de Lenine e Hitler. O facto de ambos falarem em nome da ruptura revolucionária com o passado e em nome das massas trabalhadoras e dos pobres não o comoveu por um segundo. Essa era a linguagem que sempre causara repugnância ao seu credo político reformista, ordeiro, conservador, liberal e com forte sensibilidade social. Eis o que ele escrevera sobre este credo, defendido por seu pai:

"[Lord Randolph Churchill] não via razão para que as velhas glórias da Igreja e do Estado, do Rei e do país, não pudessem ser reconciliadas com a democracia moderna; ou por que razão as massas do povo trabalhador não pudessem tornar-se os maiores defensores destas antigas instituições através das quais tinham adquirido as suas liberdades e o seu progresso. É esta união do passado e do presente, da tradição e do progresso, esta corrente de ouro [golden chain], nunca até agora quebrada, porque nenhuma pressão indevida foi exercida sobre ela, que tem constituído o mérito peculiar e a qualidade soberana da vida nacional inglesa."

Esta é obviamente uma tradição gradualista, reformista, de compromisso e pragmatismo. Restam os dois mistérios seguintes: por que motivo Churchill decidiu, em nome de uma tradição reformista e pragmática, fazer guerra ao nazismo triunfante na Europa, em 1940, e depois denunciar a "cortina de ferro" bolchevista, em 1946? Eis uma hipótese de resposta, dada pelo próprio, num discurso em Paris, em 1939, denunciando o nazismo e o comunismo:

"Como poderemos nós, criados como fomos num clima de liberdade, tolerar ser amordaçados e silenciados; ter espiões, bisbilhoteiros e delatores a cada esquina; deixar que até as nossas conversas privadas sejam escutadas e usadas contra nós pela polícia secreta e todos os seus agentes e sequazes; ser detidos e levados para a prisão sem julgamento; ou ser julgados por tribunais políticos ou partidários por crimes até então desconhecidos do direito civil?"

Talvez estas palavras de Churchill possam exprimir aquilo que A.L. Rowse, um excêntrico historiador britânico, descreveu como "o espírito inglês":

"No centro do espírito inglês está a felicidade, uma fonte profunda de contentamento com a vida, o que explica o mais profundo desejo do inglês, o de ser deixado em paz, e a sua vontade de deixar os outros em paz — desde que eles não perturbem o seu repouso."

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