Into the Woods (Caminhos da Floresta) - A crítica de um pai

in senzapagare, 2015.01.03
Levei recentemente a minha família a ver o filme da Disney mais pernicioso de sempre: Caminhos da Floresta (Into the Woods). Tal como a história nos avisa: "Cuidado com a história que vos contam... as crianças vão ouvir." Continuem a ler e descubram porquê...
As minhas filhas gémeas de quase 11 anos, Mary Claire e Rose estavam mortinhas por ver o Into the Woods da Disney. Caso não tenham gémeas a manter-vos informados, Into the Woods  é uma mistura dos contos de fadas João e o Pé de Feijão, Cinderella, Capuchinho Vermelho e a Rapunzel.

O melhor do Into the Woods

O filme foi fantástico com um elenco de estrelas: Johnny Depp, Meryl Streep, Emily Blunt, James Corden, Anna Kendrick, Chris Pine e Tracey Ullman. É uma adaptação em filme do musical da Broadway "Into the Woods" de 1987. Não vou mentir. Quando o Chris Pine teve o seu momento musical na queda de água estava a rir-me imenso e a gostar. Fez-me lembrar o meu musical preferido: Pirates of Penzance.
Eu estava tão metido no filme que a certa altura pensei para mim mesmo, "Isto é óptimo. Devia comprar acções na Disney. Está tão bem feito!" A música era divertida e fantástica. A história avançava rapidamente e prendia a minha atenção. Não me levantava para ir à casa de banho.
Do ponto de vista do guião, o musical junta vários contos de fada clássicos numa meta-narrativa gigante de tal forma que cada personagem se cruza. E, finalmente, todos os finais "felizes para sempre" acontecem. O Príncipe casou com a Cinderela. O Capuchinho Vermelho sobreviveu. A mulher do padeiro teve um bébé. A bruxa foi derrotada. A Rapunzel também arranjou o seu homem. O João ficou com o ouro do gigante e cortou o pé de feijão para o matar.
Mas é então que aparece a reviravolta perigosa...

O que há de errado em Into the Woods

Durante 60 anos a Disney tem feito desenhos animados incríveis ao género de "acabam felizes para sempre". Não sei se foi por causa do feminismo ou do esmorecimento do Ocidente, mas o "acabam felizes para sempre" já não está assim tãoooo na moda. Mais ainda, agora é giro é mostrar que o príncipe é o mau e a princesa está romanticamente congelada ou emocionalmente entrelaçada. Já não existe amor à primeira vista. Ah, e se houver, vai ser destruído. A rapariga magoada seguirá a vida para tornar-se a heroína malévola benévola.
Eu percebo. Finais felizes devem ser mais parecidos com o final da batalha de Helm's Deep [rever Senhor dos Anéis II]. Nem tudo é "Um sonho é um desejo da Alma" [música do início da Cinderela].
Portanto, o que Into the Woods faz é desconstruir originalmene a narrativa "feliz" de cada história. A certa altura o marido-príncipe da Cinderela (?) começa a seduzir a mulher do padeiro que acabou de ter um bébé. Uma das minhas filhas aproximou-se e perguntou, "Papá, o que é que se está a passar?" Eu aproximei-me e disse-lhe, "O Príncipe está a tenta cometer adultério com ela." Bolas. Esta não era a conversa que eu pensava ter baixinho nesta ida de férias ao cinema. A única coisa que posso dizer é, "É bom termos revisto os 10 Mandamentos em família." Eu expliquei o óbvio "Não podeis cometer adultério" com "Quando tentam casar com alguém que não é o vosso marido/mulher." Agora temos um filme de crianças para nos ajudar a perceber isto melhor. Obrigado Disney!

Into the Woods como uma homilia secular

Portanto, sim, houve a estranha cena do beijo entre a mulher do Padeiro e o Príncipe e depois a surpresa da mulher em relação a isso. Mas isso não foi o que me fez não gostar do filme.
Eu sou um filósofo. Sou professor. É a minha profissão. Por isso foi o sermão não muito subtil do final do filme que me ficou atravessado.
Há uma cena final em que todas as personagens jogam o jogo das culpas. Cada uma culpa os outros pelo final infeliz em que se encontram. A bruxa finalmente revela que encontrar a culpa não ajuda ninguém. Todos cometem erros. Todos nos enganamos. Todos têm a culpa. Por isso simplesmente sigam com a vossa vida. Peguem nos destroços e tentem fazer alguma coisa com isso.

Into the Woods como nominalismo filosófico

Em última análise, Into the Woods é uma apologia da escola filosófica nominalista - um erro anterior a Sócrates e Platão. O nominalismo diz que não existe nenhuma essência ou forma real no mundo. Não existe nenhuma substância ou natureza real. Pelo contrário, nós humanos é que criamos e aplicamos os nomes (nomina em Latim, daí nominalismo) às coisas e às acções.
Com o nominalismo, em última análise não há significado. Não há finalidades. Só existe o significado e finalidade que nós criamos nos nossos corações. Não existe tal coisa como lei natural. Podemos decidir o que é que queremos que as coisas sejam. Se queremos mudar o nomen ou a definição de "casamento" então podemos fazê-lo. Se queremos mudar o nomen ou definição do bem e do mal, também o podemos fazer.
Aqui fica o sermão (nominalista) final do Into the Woods. Só quis tapar os ouvidos das minhas queridas filhas quando ouvi estas palavras cantadas numa bonita melodia:
"Coisas erradas, coisas certas …
Quem pode dizer o que é verdade? …
Faz as coisas, luta contra as coisas …
Tu decides, mas …
Não estás sozinho …
As bruxas podem estar certas.
Os gigantes podem ser bons.
Tu decides o que está certo. Tu decides o que é bom."
Esta é a resposta final à dor das personagens. "Tudo decides o que é bom." Mas esse é que é o problema. Todas as pessoas más estão já a jogar este jogo. Elas já decidiram "o que é bom para mim" e estão a magoar-vos.

Out of the Woods: Do nominalismo ao realismo

O oposto do nominalismo é o realismo. O realismo diz que existem formas, substâncias e ideias no universo que são absolutas e imutáveis. Há leis naturais e pré-estabelecidas que são reais e não são feitas pelo homem. Os humanos não fazem as suas próprias definições. Não existe um "Tu decides o que está certo. Tu decides o que é bom." Pelo contrário, as pessoas têm que descobrir as verdadeiras definições das coisas no meio do mundo real. Nós não criamos o significado e a finalidade. Descobrimos sim o que já era real antes de nós aparecermos.
Se já me ultrapassaram e concluíram que o nominalismo leva direitinho ao secularismo e ateísmo e que o realismo leva à religião e ao teísmo, então são muito inteligentes. Podem ver assim para lá da meta-narrativa de Into the Woods.
Portanto, saiamos da floresta [Out of the woods]. A visão nominalista das árvores que proclamam "Tu decides o que está certo. Tu decides o que é bom," é frouxa em última análise. Deixa-vos com a sensação com que eu fiquei à saída do cinema com as milhas filhas.
in taylormarshall.com [tradução Senza Pagare]

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