Surrealista é o país
ALBERTO GONÇALVES | DN | 2014-02-/9
Devagarinho, fui-me apercebendo de que havia uma polémica qualquer em redor de uma colecção de obras de Joan Miró. Por falta de curiosidade, tentei ignorar o assunto. O assunto insistiu. Cedi. Hoje sei vagamente que a colecção em causa pertencia ao BPN, que o Governo pretendia leiloá-la na Christie"s e que meia dúzia de deputados do PS e de "agentes culturais" se manifestaram contra o leilão conforme lhes compete. Também sei que o carácter periférico do País não tem remédio, embora isso já soubesse antes desta história.
Ao que percebi, os que se opõem à venda avançam razões económicas e artísticas. As razões económicas garantem que 85 "Mirós" constituem, cito a Associação Portuguesa de Museologia, "um acervo artístico gerador de riqueza em qualquer parte do mundo". Nesta perspectiva, a mera exposição permanente dos quadros é susceptível de atrair hordas de turistas, não do tipo que aprecia sol e cerveja barata, mas do tipo tão devoto da arte contemporânea que só frequenta o Museu Berardo (cujo director naturalmente defende que a saída dos "Mirós" seria "uma perda profunda") se o bilhete for, como é, gratuito. Sobram apenas meia dúzia de questões. Quantos bilhetes a zero euros os "Mirós" renderiam à nação? A que sector a nação retiraria o dinheiro de que eventualmente abdicará para manter os "Mirós"? Porque é que os que desprezam o argumento de que a verba arrecadada pelos "Mirós" na Christie"s é uma gota perante os gastos na nacionalização do BPN, aliás uma evidência, são aqueles que assistiram impávidos à nacionalização, ou que a apoiaram, ou que a promoveram? O que lucrámos até agora com esse outro arrebatamento patrimonial motivado pelas gravuras rupestres do vale do Côa? Há números da quantidade de turistas que entraram em Portugal para visitar as gravuras ou o excesso de afluência impede a contagem? O que esperamos para começar uma campanha "transversal" de salvação dos "Mirós", com direito a cantiga ("As Pinturas Não Sabem Viajar") e tudo? As razões artísticas contra a venda dos "Mirós" são próprias de certo atraso de vida e contagiam dois géneros de pessoas: as que acham de facto Miró um pintor prodigioso (a palavra em uso é "génio") e as que temem acusações de filistinismo se confessarem que não acham Miró um pintor prodigioso. Às primeiras, nem sei o que lhes diga. Às segundas, digo o seguinte: não se preocupem. Muitos dos "eruditos" prontos a apontar, com intuitos vexatórios, a falta de cultura do próximo não distinguem, visto que o tema são as belas-artes, um Spencer de um Freud. Alguns não distinguem sequer Freud do avô neurologista. E, excepto em casos de pedantice, não há mal nenhum nisso.
Por mim, desde que não tenha de os pagar ou ver, tanto me faz que os "Mirós" fiquem em Portugal ou sejam vendidos a um magnata tailandês. Apenas dispenso o ruído alusivo, a pretexto de uma colecção de que poucos suspeitavam e que a pouquíssimos dos supostos interessados interessa. Infelizmente, parece que um país arruinado sente necessidade de se indignar com insignificâncias a cada semana, na anterior por causa das "praxes", nesta por causa de um surrealista. Surrealista é o País.
Devagarinho, fui-me apercebendo de que havia uma polémica qualquer em redor de uma colecção de obras de Joan Miró. Por falta de curiosidade, tentei ignorar o assunto. O assunto insistiu. Cedi. Hoje sei vagamente que a colecção em causa pertencia ao BPN, que o Governo pretendia leiloá-la na Christie"s e que meia dúzia de deputados do PS e de "agentes culturais" se manifestaram contra o leilão conforme lhes compete. Também sei que o carácter periférico do País não tem remédio, embora isso já soubesse antes desta história.
Ao que percebi, os que se opõem à venda avançam razões económicas e artísticas. As razões económicas garantem que 85 "Mirós" constituem, cito a Associação Portuguesa de Museologia, "um acervo artístico gerador de riqueza em qualquer parte do mundo". Nesta perspectiva, a mera exposição permanente dos quadros é susceptível de atrair hordas de turistas, não do tipo que aprecia sol e cerveja barata, mas do tipo tão devoto da arte contemporânea que só frequenta o Museu Berardo (cujo director naturalmente defende que a saída dos "Mirós" seria "uma perda profunda") se o bilhete for, como é, gratuito. Sobram apenas meia dúzia de questões. Quantos bilhetes a zero euros os "Mirós" renderiam à nação? A que sector a nação retiraria o dinheiro de que eventualmente abdicará para manter os "Mirós"? Porque é que os que desprezam o argumento de que a verba arrecadada pelos "Mirós" na Christie"s é uma gota perante os gastos na nacionalização do BPN, aliás uma evidência, são aqueles que assistiram impávidos à nacionalização, ou que a apoiaram, ou que a promoveram? O que lucrámos até agora com esse outro arrebatamento patrimonial motivado pelas gravuras rupestres do vale do Côa? Há números da quantidade de turistas que entraram em Portugal para visitar as gravuras ou o excesso de afluência impede a contagem? O que esperamos para começar uma campanha "transversal" de salvação dos "Mirós", com direito a cantiga ("As Pinturas Não Sabem Viajar") e tudo? As razões artísticas contra a venda dos "Mirós" são próprias de certo atraso de vida e contagiam dois géneros de pessoas: as que acham de facto Miró um pintor prodigioso (a palavra em uso é "génio") e as que temem acusações de filistinismo se confessarem que não acham Miró um pintor prodigioso. Às primeiras, nem sei o que lhes diga. Às segundas, digo o seguinte: não se preocupem. Muitos dos "eruditos" prontos a apontar, com intuitos vexatórios, a falta de cultura do próximo não distinguem, visto que o tema são as belas-artes, um Spencer de um Freud. Alguns não distinguem sequer Freud do avô neurologista. E, excepto em casos de pedantice, não há mal nenhum nisso.
Por mim, desde que não tenha de os pagar ou ver, tanto me faz que os "Mirós" fiquem em Portugal ou sejam vendidos a um magnata tailandês. Apenas dispenso o ruído alusivo, a pretexto de uma colecção de que poucos suspeitavam e que a pouquíssimos dos supostos interessados interessa. Infelizmente, parece que um país arruinado sente necessidade de se indignar com insignificâncias a cada semana, na anterior por causa das "praxes", nesta por causa de um surrealista. Surrealista é o País.
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