Cantigas de escárnio e maldizer


Alexandre Homem Cristo, ionline, 2014-01-03

Os erros, a propaganda e a falsidade argumentativa não podem ser censuráveis quando vêm do governo e toleráveis quando vêm da oposição

Prometeram-nos o aumento do desemprego. Previram a economia caída numa espiral recessiva. Garantiram-nos o incumprimento das metas do défice. Afirmaram que o primeiro-ministro vivia fora da realidade. E asseguraram-nos que a aposta na consolidação orçamental implicava acabar com qualquer possibilidade de crescimento económico. Mas, olhando para o que realmente aconteceu, não há dúvidas que o último ano foi generoso em certezas e inevitabilidades que não se confirmaram. E - ironia - quem errou nas estimativas não foi o governo, mas os que o acusaram de estar enganado. Lição aprendida? Nem por isso.
O desemprego mantém-se elevado, mas cai há 10 meses consecutivos. E, no contexto europeu, a maior redução homóloga (Dezembro 2012 - Dezembro 2013) foi mesmo em Portugal. Sinais positivos? A esquerda acha que não. Para os comunistas, a queda no desemprego deve-se à emigração (algo que os indicadores refutam, pois há criação de emprego). Para os socialistas, a resposta é conspirativa: o governo manipulou os dados.
Em relação ao défice em 2013, a situação repete-se. No Verão passado, falou--se em "descalabro" e declarou-se o falhanço do governo. Agora, foi anunciado pela Direcção Geral do Orçamento que o défice ficará abaixo da meta imposta pela troika, independentemente das receitas extraordinárias. Sinais positivos? Para a esquerda, não. Os socialistas afirmam que os números "não consubstanciam verdadeira consolidação orçamental" e acusam o governo de lançar uma "propaganda orçamental" (Eurico Brilhantedixit).
O mesmo quanto ao crescimento económico. A "espiral recessiva" estava ao virar da esquina e o crescimento não surgiria com políticas de consolidação orçamental. Pedro Silva Pereira (PS), em Outubro 2013, era taxativo: há "falhanço na recuperação do crescimento". Hoje, todos os indicadores apontam para o crescimento da economia portuguesa. Sinais positivos? Para a esquerda, não. De acordo com comunistas e socialistas, o governo está em campanha eleitoral, vendendo ilusões.
Este exercício de memória é da maior importância. Primeiro, é esclarecedor em relação à validade das "alternativas" à política do governo, cuja pertinência se justificava num fracasso das opções governativas que, afinal, não existe. Segundo, enaltece os bons resultados alcançados pelo governo, na medida em que acontecem precisamente nas áreas que a esquerda valorizou na oposição (desemprego, défice e crescimento económico). Terceiro, exemplifica a (falta de) qualidade do nosso debate político, fundamentalmente destrutivo em vez de construtivo - a oposição recusa aceitar os sinais positivos e diz o que for preciso para atacar o governo, numa lógica partidária onde o melhor interesse do país é secundarizado. Quarto, realça a necessidade de, na imprensa e no debate, haver maior escrutínio e mais responsabilização de quem está na oposição - os erros, a propaganda e a falsidade argumentativa não podem ser censuráveis quando vêm do governo e toleráveis quando vêm da oposição.
As consequências da crise continuarão a sentir-se, mas Portugal está melhor. Melhoria que é, hoje, incompatível com as expectativas da esquerda, frustradas sempre que um indicador positivo é publicado. Que alguém acredite que dessas expectativas sairá um projecto alternativo para o país é, cada vez mais, incompreensível. 

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