Inteligência



Inês Teotónio Pereira, ionline, 2014.02.22

A inteligência, meus senhores, está lá sempre e em todas as pessoas. Mas a inteligência, tal como as pessoas, é diversa

Apesar de a neurociência ter muito poucas certezas sobre a inteligência, nós os leigos sabemos tudo sobre o tema. Desde sempre sabemos quem são as crianças inteligentes e quem são as crianças menos inteligentes. É fácil perceber, a neurociência é que anda distraída a estudar o cérebro, a perder tempo, diga-se, quando bastava que olhasse para as escolas, ou mais especificamente para as pautas das escolas, para perceber quem é quem na escala da inteligência. Está lá tudo: os meninos menos inteligentes são os que têm piores notas, são aqueles que não têm muito jeito para a escola, coitadinhos; os que têm boas notas são os inteligentes. E se tiverem boas notas a matemática são génios. Simples.
A doutrina reinante nas conversas de café tem como prova científica que é a escola que mede a inteligência das crianças, variando esta entre o fraco e o excelente. As crianças, obviamente, não duvidam de tão centenar sapiência e assumem como certa esta classificação. Como se aquilo que eles aprenderam a Estudo do Meio, a Matemática ou a Física determinasse o nível da sua inteligência, como se o retrato do seu cérebro fosse uma pauta.
Ora isto não faz sentido. Esta teoria, além de muito pouco inteligente, é redutora. A verdade é que todas as crianças são inteligentes. A inteligência não é uma coisa estática como uma cadeira; tem variações, tem formas diversas e é dinâmica. Qualquer aluno pode ser brilhante desde que se carregue nos botões certos. Por exemplo, se Einstein tivesse passado a vida a estudar Literatura, porque era uma área "com saída", não seria Einstein, seria alguém muito infeliz, de quem os pais achariam que, "coitadinho, não tinha jeito para escola", e a teoria da relatividade teria outro pai qualquer. Imaginem, por outro lado Shakespeare, imaginem Shakespeare a estudar Física: seria expulso na primeira aula porque em vez de prestar atenção à teoria de Copérnico estaria a escrever poemas indecifráveis sobre amor e outras mariquices do género. Ou seja, a medir pelos critérios da escola, qualquer dos dois podia ser considerado muito pouco inteligente.
Um dos meus filhos, excelente aluno, trouxe para casa uma composição para refazer. Dizia a professora que a composição estava muito bem feita em termos de forma, regras gramaticais, etc., mas não tinha conteúdo. O tema era uma aventura na serra. Pois a criança escreveu um tratado sobre a logística e a viagem para a serra, a logística e a viagem de regresso a casa, mas nada de aventura. Três vezes tentou ele inventar uma aventura e três vezes falhou. Outro dos meus filhos, aluno médio, consegue escrever três aventuras empolgantes na serra, na Lua ou na praia em 15 minutos, sem parar e todas cheias de erros gramaticais.
A inteligência, meus senhores, está lá sempre e em todas as pessoas. Mas a inteligência, tal como as pessoas, é diversa. E tal como as pessoas desenvolve-se, cresce e muda ao longo da vida. A questão não está em saber quem é ou não é inteligente, mas sim em quê. No Renascimento já era assim: não há melhores ou piores, todos são excelentes em qualquer coisa.


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