Rosas para Capucho
José António Saraiva, Sol, 2014-02-25
A expulsão de António Capucho do PSD levantou uma onda de críticas e uma violenta reacção do próprio.
"[A minha expulsão] é uma decisão política e uma decisão estúpida que lhes sai pela culatra. Para além de fundamentalistas, com tiques estalinistas, são manifestamente incompetentes. Este processo só vem confirmar o estado a que chegou o PSD, cada vez mais afastado da matriz social-democrata e progressivamente mais enquistado à volta de um conjunto de oligarquias nos vários escalões (com honrosas excepções) que não toleram opiniões divergentes e protegem generosamente os seguidistas", disse Capucho.
Mas não tem qualquer razão.
Ao candidatar-se em Sintra numa lista oposta à do seu partido, António Capucho sabia que se estava a auto-excluir de militante.
Os estatutos do PSD são taxativos: "Cessa a inscrição no partido dos militantes que se apresentem em qualquer acto eleitoral nacional, regional ou local na qualidade de candidatos, mandatários ou apoiantes de candidatura adversária da candidatura apresentada pelo PPD/PSD".
Ora, como não é crível que Capucho desconhecesse os estatutos, ao tomar a atitude que tomou estava a assinar a ficha de saída.
Nem era preciso a comissão disciplinar pronunciar-se - bastava accionar automaticamente os mecanismos estatutários.
Esta história da liberdade de opinião nos partidos tem que se lhe diga.
É evidente que a inscrição num partido implica algumas limitações.
Ninguém é obrigado a pertencer a um partido; se o faz, tem o benefício de poder ascender a determinados cargos que doutro modo não alcançaria (Capucho foi secretário de Estado, ministro, eurodeputado, membro do Conselho de Estado e presidente da Câmara de Cascais, sempre por indicação do PSD) mas tem a contrapartida de assumir certos deveres.
E um deles é a lealdade à direcção do partido livremente eleita - dever esse que assume maior importância quando o partido está no Governo.
Um militante pode estar em desacordo com a direcção, mas isso não o desobriga de ser leal.
Ora, não pode considerar-se leal a conduta de um militante que passa a vida a atacar publicamente nos media o Governo e o primeiro-ministro do seu partido.
Numa democracia, os partidos existem, essencialmente, para fornecerem soluções de poder.
Os partidos políticos são máquinas destinadas a ocupar o Governo e a garantir a alternância democrática.
Sem partidos, não seria possível haver governos.
E a estabilidade dos governos supõe, evidentemente, alguma disciplina por parte dos partidos que os apoiam e dos seus militantes.
Se alguns dirigentes e destacadas figuras do partido começarem a tirar o tapete ao Governo, juntando-se na prática à oposição, gera-se um indesejável clima de instabilidade.
Um militante de um partido do Governo pode fazer críticas - mas não deve constituir-se em aliado sistemático dos que querem deitar o Governo abaixo.
Até porque acaba por ser instrumentalizado.
Muitas vezes António Capucho terá sido convidado a ir à TV só para os jornalistas poderem dizer: "Fundador do PSD arrasa política de Passos Coelho".
E ele não só nunca acautelou isso como fez questão de carregar nas tintas, dizendo coisas como esta: "O problema não são os disparates e injustiças que cometem internamente no PSD. O problema é que são eles que governam, por enquanto, o nosso país".
Do mesmo modo que seria uma violência o PSD tentar obrigar Capucho a apoiar o Governo contra a sua consciência, também não é correcto Capucho atacar violenta e sistematicamente em público o Governo do PSD.
Tem de haver aqui uma moderação das duas partes.
Se Capucho o queria fazer, devia suspender a inscrição no partido - como fez Mário Soares, em 1980, quando se auto-suspendeu de militante socialista por discordar do apoio do PS a Eanes, querendo ter liberdade para criticar o general.
O que não faz sentido é um militante querer o melhor de dois mundos: beneficiar do estatuto de estar dentro do partido e atacá-lo como se estivesse de fora.
Recordo que, ao assumir a liderança social-democrata, em 1985, Cavaco Silva expulsou três destacados militantes (Francisco Sousa Tavares, Rui Oliveira e Costa e Adriano Jordão) por apoiarem Mário Soares contra o candidato presidencial escolhido pelo PSD (Freitas do Amaral).
Mais tarde, Carlos Macedo, ex-ministro da Saúde, foi sumariamente expulso por criticar a ministra Leonor Beleza.
Foram episódios tristes.
Mas que reforçaram a ideia de que nos partidos tem de haver alguma disciplina, caso contrário transformam-se num albergue espanhol, onde cada qual diz o que quer e como quer.
E, quando a indisciplina se instala, os partidos não servem para nada: porque não dão força aos governos que apoiam e só promovem a instabilidade política.
Quem usa o seu cartão de militante de um partido para melhor bater nos companheiros que estão a governar não pode esperar
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