As galerias


VASCO PULIDO VALENTE | Público | 15/02/2014 - 02:06
Nenhuma espécie de "transparência" justifica que as galerias se transformem numa força agente e movente na política portuguesa.
        
No primeiro genuíno parlamento da história da Europa, a Assembleia Constituinte e, depois Nacional, da Monarquia Francesa, o direito de acesso às galerias não tinha a menor restrição.
O resultado foi que as galerias depressa se tornaram num convite à demagogia e num centro de agitação revolucionária, que intimidou os moderados, calou os raros conservadores que se pretendiam fazer ouvir e produziu heróis pouco edificantes como Mirabeau, Brissot, Danton e Robespierre. O "povo" das galerias não se julgava diferente dos deputados (honestamente eleitos por sufrágio universal). Muitos pediam e conseguiam o direito de discursar e apresentar petições. Muitos votavam. Cá fora choviam ameaças de morte contra quem se desviasse da ortodoxia do momento. Houve dezenas de agressões. No fim (durante a Convenção) até se prenderam dezenas de "girondinos", que se revoltaram contra a tirania das "claques" jacobinas das galerias.
Porque as galerias não eram um mero aglomerado de "povo", eram grupos que as várias facções do radicalismo organizavam e que obedeciam a ordens precisas dos seus "clubes". A esquerda nunca de facto esqueceu as cenas de França e não hesitou em as repetir por toda a Europa – e também em Portugal de 1834 a 1838 e desde o "5 de Outubro" ao "28 de Maio". Em 2014, a esquerda aparentemente perdeu a "rua", que não se mexe e não a sustenta. Os média não a estimam. E os comícios morreram. Sobraram as galerias de São Bento, onde meia dúzia de manifestações conseguiram chegar pela televisão ao português comum.
Para acabar com este estratagema, Assunção Esteves encomendou um estudo comparativo sobre as regras de acesso às galerias nos parlamentos da Europa. Previsivelmente, a esmagadora maioria desses parlamentos tinham regras mais severas do que o nosso. Isto com certeza consolou a direita, que não abriu o bico, mas provocou à esquerda um novo ataque de indignação. O dr. José Junqueiro, por exemplo, nem se esqueceu de lembrar o velho sofisma de que São Bento "é do povo". Ora São Bento não é obviamente do "povo", e menos do "povo" de Lisboa. São Bento é dos "representantes de a nação", onde o "povo" só deve entrar com a condição absoluta de não se agitar e não falar. Nenhuma espécie de "transparência" justifica que as galerias se transformem numa força agente e movente na política portuguesa. Façam o barulho que quiserem, mas na rua.

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