Coração que escuta

José Luís Nunes Martins
ionline 8 Fev 2014

Na palavra silenciosa recorda-se, pondera-se e sonha-se melhor... todos os tempos precisam de espaço em nós... e de pouco barulho!

Todo o homem devia ser capaz de estar em silêncio e escutar. Só assim se consegue abrir espaço no interior para acolher a presença do outro. A paz que permite conhecer os segredos e mistérios das raízes profundas do pensar e do amar.
A verdade está mais perto dos que anulam as palavras, pois assim têm os sentidos mais despertos e atentos aos sinais que murmuram o sentido de tudo... sem os grandes equívocos comuns aos discursos carregados de adjetivos e escuridão.
Quem se recolhe no seu coração encontra-se. Tal como é... uma essência que não se basta a si mesma, que se abre... que espera por outra essência que a possa libertar...
É no meu coração que me encontro e só aí posso ser encontrado...
A minha voz é, tantas vezes, não mais do que a primeira barreira que oponho à voz dos outros, impedindo-a de chegar mais fundo, até ao seu coração... e ao meu.
Só quando estou calado oiço bater o meu coração. Em vez das palavras ditas ao ritmo incerto de uma pressa exterior, no meu íntimo bate a uma cadência que é só minha e que, no silêncio, se faz ouvir e me mostra quem sou...
As nossas vidas encerram, no fundo, uma questão: é a partir daquilo que sou que tento falar e apresentar-me aos outros? Ou é a partir das palavras com que me apresento aos outros que tento ser aquilo que elas prometem?
As duas, dirá algum sábio, por se conhecer a si mesmo, enquanto parte do mundo – e não como algo além dele. Que se conhece, porém, porque ouve em silêncio o bater do seu coração; e porque, ouvindo-o, ouve em silêncio o bater do coração dos outros; e ouvindo-os, ouve em silêncio o bater do coração de todas as coisas... e todos pulsam em harmoniosa diferença. Todos têm algo a dizer, mas não uns contra os outros... revelam-se, não para se imporem e excluírem... apresentando-se tal como são, expondo o melhor de si e a sua necessidade do melhor do outro...
Só o outro me pode libertar. Só o outro pode ser o meio e o fim de mim...
Nunca como hoje o mundo foi tão cheio de coisas momentâneas, mas talvez por isso mesmo, nunca como hoje se tenha ansiado tanto pelo infinito, pelo eterno... por Deus.
Precisamos de aprender a esvaziarmo-nos do que não é tão bom em nós mesmos, para que se abra espaço para que o que temos de melhor possa crescer... com a ajuda do outro. Com a humildade sábia de quem escuta... de quem tem a paz de recolher um conselho, a sabedoria de escutar a verdade que há em cada coisa simples... o discernimento absoluto de aceitar que não temos Deus no coração, mas que... vivemos no coração de Deus.
Na palavra silenciosa recorda-se, pondera-se e sonha-se melhor... todos os tempos precisam de espaço em nós... e de pouco barulho! Seremos tão grandes quanto o silêncio com que formos capazes... de abrir as portas do coração.
Quem sabe sentir, conhece o segredo da quietude... sabe que o amor se diz sempre melhor quando se evitam os caminhos das palavras. Quando se escolhe agir em vez de falar...
Ainda que muitas vezes acusemos o outro de uma mudez que não é, afinal, senão a nossa falta de vontade de o escutar...
Quem quer ser feliz, escuta. E, atento, reconhecerá o momento certo... não para falar, mas para agir. Agirá em paz, porque sabe quem é. Amará em absoluto.
O amor que não cabe em três romances, pode viver no peito de duas pessoas... caberá num só beijo, num só coração que reza, numa oração que bate... Numa oração em que se escutam dois silêncios.

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