O que está a acontecer ao desemprego?


O que está a acontecer ao desemprego – FAQ

 

Afinal a taxa de desemprego está a subir ou a descer?
Bom, isso dava pano para mangas. O melhor mesmo é ver os números.

Parece que está a descer.
A taxa de desemprego atingiu o máximo no 1º trimestre de 2013. Desde então caiu 2,7 pontos percentuais (p.p.). É maior queda acumulada desde que o INE publica dados trimestrais para a taxa de desemprego.
A comunicação social reporta valores mais pequenos. Os números são os mesmos?
Os números são rigorosamente os mesmos (tal como a fonte: o INE). A questão é que a generalidade da comunicação social tem feito comparações homólogas. Ou seja, comparam os valores registados no último trimestre com o valor que se registava no mesmo trimestre do ano anterior. Assim:

Isso parece um pouco estranho. Há alguma justificação para fazer comparações homólogas?
Na verdade, há. As variáveis macroeconómicas costumam ser influenciadas por questões sazonais, e as comparações homólogas permitem eliminar este problema. Têm porém o inconveniente de não captar imediatamente pontos de inflexão de tendência. Por exemplo, quem estivesse a fazer comparações homólogas diria, no 3º trimestre de 2013, que a taxa de desemprego teria 'caído 0,2 pontos percentuais'. Mas à medida que o tempo passa tanto a análise trimestral como a análise homóloga acabarão por contar a mesma história.
Isso significa que o tal recuo de 2,7 p.p. face ao 'pico' da taxa de desemprego pode resultar de sazonalidade?
Em teoria, sim. Na prática, não. Em primeiro lugar, porque a sazonalidade explica variações da ordem dos 0,5 p.p., e não descidas desta magnitude. Em segundo lugar, porque a sazonalidade actua no sentido contrário ao que é sugerido pela pergunta. A taxa de desemprego é habitualmente mais alta no final do ano do que no início (em cerca de 1 p.p.). Ou seja: os efeitos sazonais, a ocorrerem, estarão a reduzir, em vez de empolar, a magnitude da queda do desemprego.
Ok, percebido. Mas a descida da taxa de desemprego não pode ser ilusão estatística causada por fenómenos como a emigração ou os 'desencorajados', que deixam de procurar emprego e assim desaparecem das estatísticas?
Se fosse esse o caso, então a redução do desemprego seria resultado do desaparecimento de desempregados. Mas o que se vê é que a redução dos desempregados está a ser acompanhada da criação de empregos. A imagem de baixo mostra a variação do número de empregos e do número de desempregados. Ao longo dos últimos três trimestres, a queda do desemprego foi totalmente absorvida pelo aumento do emprego (com a excepção do que aconteceu no quarto trimestre).

Compreendo. Mas o que se lê nos jornais é que a emigração explica boa parte da descida do desemprego. O que é que estou a ver mal?
Voltamos ao mesmo: isso é o que se vê na comparação homóloga. Desde que a taxa de desemprego começou a descer (ou seja, face ao 'pico' do 1º trimestre) que essa descida tem sido causada pelo aumento do emprego. Mas no 1º trimestre de 2013, quando a taxa de desemprego ainda estava a subir, o 'desaparecimento' de desempregados contribuiu de facto para mitigar a subida da taxa de desemprego. Isso vê-se no gráfico anterior: desapareceram quase 100.000 empregos mas o número de desempregados só aumentou em 30.000.
Por que é que os jornais não dizem isto?
A verdade é que dizem: a generalidade das análises homólogas vem acompanhada de análises trimestres. Podem é ter menos destaque, mas estão lá.
Portanto, a emigração não tem nada a ver com a taxa de desemprego?
Não é isso. Nos últimos anos emigrou muita gente – há quem aponte para 300.000 pessoas –, e mesmo que não seja fácil perceber o impacto dessa emigração na taxa de desemprego (não sabemos se eram desempregados, não sabemos que impacto é que a sua permanência teria no consumo interno, etc.) é óbvio que ela teve algum impacto, e que terá sido positivo. O que os números mostram é que a descida do desemprego, desde que atingiu o seu máximo, não é causada pelo 'desaparecimento estatístico de desempregados' (via emigração ou desencorajamento). É importante distinguir entre níveis e variações. A emigração reduz o nível, mas não explica a sua variação.
Muito bem. Mas e quanto à qualidade dos empregos criados? Ouve-se dizer com frequência que são sobretudo empregos temporários.
Mas não é verdade. Em baixo aparece uma série com o peso do emprego de horários curtos, horários normais e 'restantes'. A ideia de que os empregos são part-timesmiseráveis é um mal-entendido gerado pela utilização enviesada de dados do INE (mais sobre isso aqui). Infelizmente, a ideia colou.

E não são empregos mal pagos?
Não parece haver grande evidência nesse sentido. O gráfico de baixo mostra a variação do emprego ao longo do último ano, desagregado por estratos de rendimento. Na verdade, os salários baixos até estão a dar um contributo negativo para o crescimento do emprego (atenção: estes dados são relativos ao emprego assalariado, descontando por isso empregados por conta própria).

Portanto, a taxa de desemprego está a descer há três trimestres consecutivos, sem sinal de que esta descida seja provocada por truques estatísticos. E sem sinal de que os novos empregos sejam mal pagos ou precários. É isso?
Exactamente.
E toda esta análise difere do que aparece nos jornais apenas pelo facto de comparar valores contra o 'pico do desemprego', em vez do período homólogo?
Essa é a principal explicação (o caso dos empregos 'de horários curtos', por exemplo, tem apenas a ver com má utilização de dados). Mas a única diferença é que a análise 'face ao pico' capta mais rapidamente as inversões de tendência. No próximo trimestre, a análise homóloga deverá, em princípio, concluir exactamente o mesmo que a análise 'de pico' concluir. Se ainda tiver dúvidas a perceber porquê, tente pensar em termos de uma dieta anual. No longo prazo, estaremos todos a concluir a mesma coisa.
Esta descida é uma surpresa?
É. É verdade que a economia está a crescer, mas normalmente o mercado laboral só reage à actividade económica com algum desfasamento. Nesse sentido, a reacção rápida é uma surpresa. De resto, as previsões de 2013 apontavam para taxas de desemprego perto de 18% em 2014, ao passo que agora já se antecipam taxas entre os 15 e os 16%.
Será que as reformas estruturais, como liberalização do mercado laboral, não podem explicar esta descida?
A resposta sincera é: não fazemos ideia. Há vários estudos acerca do impacto destas reformas, mas a literatura não é conclusiva em relação à magnitude do seu efeito, nem aotiming em que este se faz sentir. Dizer que foram as reformas estruturais a descer o desemprego não é mais do que um palpite.
E esta descida é sustentável?
Como não sabemos bem o que é que está a diminuir o desemprego, é difícil traçar cenários. Mas, à partida, e assumindo que a economia continua a crescer, a taxa de desemprego deve continuar a recuar. Mas é muito improvável que o faça ao mesmo ritmo dos últimos tempos – quanto mais não seja porque tirar 2,3 p.p. à taxa de desemprego quando esta ronda os 17% é muito mais fácil do que cortá-la pela mesma bitola quando ela desce dos 15%. O mais provável é que o desemprego continue a recuar, mas de forma bastante mais moderada.

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