As boas notícias e a má-fé
Henrique Raposo
Henrique Raposo
Expresso Quinta feira, 6 de fevereiro de 2014
Sei muito bem o que são más notícias. A crise passou a ferro a minha família. A empresa do meu pai, por exemplo, faliu há um ano. Pai, irmão, cunhados, sogros, tios, primos de Lisboa, Coimbra e Alentejo, todos foram varridos pelo vendaval dos últimos anos. Foi o preço a pagar pelo vício absurdo na construção civil. Do pedreiro ao engenheiro, do empresário ao trabalhador, quase toda a gente da família estava ligada à construção, esse sector que foi precisamente uma das causas da crise devido à sua presença esmagadora na economia. Como é que se exporta uma auto-estrada? Como é que se exporta um prédio de três andares com marquises? Às tantas, o cenário familiar tornou-se tão pesado que eu cheguei a pensar que iria ser a única pessoa a ganhar dinheiro no círculo familiar mais próximo. Portanto, eu sei o que são más notícias, a meu dia-a-dia tem sido uma má notícia desde 2009. Já é uma má notícia com 62 meses.
Como é fácil de perceber, esta é a causa da minha obsessão pelas boas notícias , um hábito que mantenho desde os tempos do socratismo . Tenho filhos, quero ter mais, quero criá-los em Portugal. A esperança é um dever quando se tem filhos. Na presença da prole, ter esperança no futuro não é um estado de alma, não é um afecto fofinho, é um imperativo categórico, é um dado tão real e concreto como este ecrã de computador. Deve ser assim, aliás, tem de ser assim. E, repare-se, está mesmo a ser assim. Neste momento, parece-me evidente que a realidade viu os meus sinais de fumo. Os sinais de recuperação da economia têm sido a marca do último meio ano. O desemprego está a baixar, as exportações estão a aumentar, os juros da dívida estão a baixar, os índices de consumo estão a subir e o meu velho, com 59 anos, voltou a trabalhar.
Por todas estas razões, é triste constatar o mal-estar que as boas notícias causam a muita gente. Estas pessoas, os monarcas da indignação, ficam incomodadas com o advento de boas notícias para os portugueses. É o costume, portanto: o ódio sectário é mais forte do que o patriotismo. Como pintou um apocalipse, esta boa gente não quer agora admitir que a realidade é um pouco mais complexa do que o seu quadro negro. Sim, os efeitos da crise não desapareceram, nem desaparecerão no futuro próximo. Durante muito tempo vamos ter de viver com os destroços dos últimos anos. Porém, já há sinais concretos de um novo futuro, de uma nova esperança. Recusar vê-los não é apenas um erro analítico, é uma traição. E anda por aí muita gente a sufocar em má-fé. Que façam bom proveito.
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