Ouvir

Inês Teotónio Pereira , ionline em 30 Mar 2013
O nosso objectivo como pais é o mesmo que o dos Jesuítas: evangelizar os nossos filhos, ou seja, educá-los, segundo a linguagem parental

Uma das coisas que faz que os Jesuítas sejam diferentes é a sua capacidade para ouvir. Qualquer sacerdote jesuíta é um especialista nato nesta arte. Eles acumulam quinhentos anos de audições consecutivas, foram centenas de anos a ouvir de tudo em várias línguas e em todo o mundo. A técnica é simples: ouvir, ouvir e ouvir com toda a paciência, ganhar assim confiança e depois, pumba, evangelizar. O plano tem mostrado eficácia: só S. Francisco de Xavier evangelizou tanta gente quanto S. Paulo himself. A lógica é nunca fazer juízos de valor. Ouve-se sem julgar. Ouve-se mais do que se fala. Faz-se uma pergunta ou outra, tal e qual a dialéctica socrática, e encaminha-se a pessoa para chegar às mesmas conclusões, a concordar connosco. Mas através do seu próprio raciocínio, dando apenas um empurrãozinho ou outro, que é sempre acompanhado de interrogações. Por isso é que qualquer sacerdote jesuíta acha muito mais interessante passar uma tarde a conversar com um ateu do que com um católico cheio de certezas absolutas. Por isso é que os Jesuítas são tão brilhantes a ensinar, pois ensinam a pensar, e por isso é que no mundo inteiro, ateus e crentes, se renderam ao Papa Francisco.
Quando as crianças aprendem a falar não se calam. Falam pelos cotovelos, inventam histórias, divagam sobre tudo e mais alguma coisa, fazem perguntas chatas, difíceis e impossíveis e só querem ser ouvidas. Querem que nós as oiçamos com atenção, que mostremos interesse e façamos uma pergunta ou outra só para espevitar o diálogo e para revelar interesse na conversa. Qualquer criança prefere dez minutos de audição dos pais a uma hora de televisão.
Só que, convenhamos, isso é uma chatice. Ouvir os nosso filhos é entendiante. Nós não somos padres e muito menos temos a pretensão de evangelizar o Japão. Já temos problemas que cheguem. Por isso, e não por mal, temos muito pouca disponibilidade, paciência e feitio para ouvir os nossos filhos. Quando eles crescerem logo se vê: as conversas serão certamente muito mais interessantes e no mínimo farão sentido.
No entanto, o nosso objectivo como pais é o mesmo que o dos Jesuítas: evangelizar os nossos filhos, ou seja, educá-los (segundo a linguagem parental). Também queremos que eles sigam o bom caminho, que sejam pessoas íntegras, trabalhadoras e realizadas, que sejam felizes e que tornem felizes aqueles os rodeiam. Então como é que fazemos isso? Não sabemos.
É essa a nossa grande angústia. Como é que isso se faz? Como é que concilio a sua protecção com a sua liberdade? Até onde é posso exigir que ele tenha boas notas? Até onde lhe posso restringir a liberdade? Com que idade é que ele pode ter Facebook? E telemóvel? E a disciplina, somos severos de mais ou de menos? Quando é que posso começar a deixá-lo sair sozinho com os amigos? E controlo ou não controlo os amigos? E quando é que o posso deixar em casa sozinho? Será que ele mente? Será que o conheço bem? E será que ele é feliz? Terá ele confiança em mim? Sei lá!
Não ouvir os nossos filhos desde que eles aprendem a falar é investir no seu silêncio. Se passamos anos a dizer "agora não" porque na verdade nos falta vocação e tempo para os ouvir, quando queremos saber como eles são, como eles estão e quem eles são pode ser tarde de mais. E o pior é que calá-los demora apenas meia dúzia de anos. Por isso é que mais que educá-los temos de ser nós a educar-nos para aprender a ouvi-los. Ou a médio prazo estamos estamos todos tramados.

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