Os amigos dos nossos filhos

Inês Teotónio Pereira , i-online em 16 Mar 2013
É tão importante que quando eles chegam do primeiro dia de escola, a primeira coisa que lhes perguntamos, ansiosos, é "já tens amiguinhos?"
Os nossos filhos têm de ter amigos. Da mesma forma que têm de comer, de brincar, de falar e de andar, também têm de ter amigos. É uma espécie de obrigação, mais um item na to do list dos pais.
Nós, pais, não descansamos enquanto os nossos filhos não tiverem muitos amigos e um melhor amigo. Faz parte. Pelo menos é o que acontece nos livros, nos filmes e, desconfiamos, com os filhos dos outros.
Para que este processo de amizades dos nossos filhos corra mesmo bem, começamos desde muito cedo a impingir amigos aos nossos meninos. Fazemos uma ronda pelos nossos amigos que tenham filhos das idades dos nossos e lançamos o laço. A saga começa por volta dos dois anos. Por uma razão absolutamente desconhecida e misteriosa, nós estamos certos de que, com apenas dois anos, os nossos filhos já podem ter uma vida social intensa, uma vida social que passa por atirar com legos à cabeça dos ditos amigos, por sádicos puxões de cabelo, por gritos ensurdecedores, etc., mas pronto. É uma vida social. Mas, para nós, isso é normal. É uma espécie de equilíbrio de forças, de experiência empírica sobre a personalidade do nosso filho. É como largar as crianças às feras e ficar a ver as suas capacidades de sobrevivência, de liderança, de resistência, de influência, etc., do lado de fora do gradeamento. É um pouco sádico, mas nós estamos convictos de que é importante os nossos meninos terem amigos. É mesmo muito importante.
É tão importante que, quando eles chegam do primeiro dia de escola, a primeira coisa que lhes perguntamos, ansiosos, é "já tens amiguinhos?". É deprimente.
As crianças não entendem esta ansiedade. Para elas, não há esse conceito de amigos. Para elas há outras crianças e pronto. Amigos, amigos são os pais, o cão e pouco mais. Até muito tarde, elas olham para os seus pares como adversários, nunca como amigos. Um dia numa creche é um dia passado num campo de batalha sangrento onde estão em jogo coisas tão fundamentais como a atenção dos mais velhos ou os brinquedos mais disputados. É tudo menos um espectáculo bonito de se ver. É tudo menos um espectáculo de fraternidade, de generosidade e de amizade. E o mais irónico é que, depois de um dia destes, elas chegam a casa e, em vez de os pais lhes perguntarem "quantas baixas provocaste?", perguntam "então, brincaste com os teus amiguinhos?". Quais amiguinhos, quais quê, a vida de uma criança é um filme de acção para maiores de 18 anos, não há cá amigos nem amiguinhos. Há inimigos, sangue, suor e lágrimas.
Uma criança não cria laços afectivos com outra criança apenas e só porque estão ambas fechadas na mesma sala e porque têm a mesma idade. Ela, no máximo, brinca com essa criança.
Mas nós insistimos. É estranho, mas insistimos: ter amigos é obrigatório. "Oh mãe, mas ninguém quer brincar comigo e eu não gosto de futebol..." É então que o chão nos sai debaixo dos pés: o nosso menino não tem amigos. Perante isto, só nos resta recorrer ao psicólogo, ao psiquiatra, ao neurologista. Nós não entendemos o óbvio: as crianças são como os adultos, há os que têm muitos amigos e os que têm um ou dois – e não é por isso que os consultórios estão cheios (é por outras razões, não por esta). A nós, ninguém nos impinge amigos, ninguém nos julga pelo número de amigos que coleccionamos e muito menos medimos a nossa felicidade pelo tamanho da nossa lista de contactos. Já no que diz respeito aos nossos filhos, tudo isto conta. Muito estupidamente, mas conta. 

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