Lições de demagogia

Pedro Braz Teixeira, ionline 20 Mar 2013
Os portugueses são presas demasiado fáceis para os demagogos

Vou enunciar algumas lições de demagogia, não com o propósito de as elogiar e divulgar, mas com a intenção de alertar os eleitores para os seus perigos.
O caso mais óbvio e mais facilmente desmascarável é o dos políticos que compram votos, seja com a oferta de ferros de engomar e outros electrodomésticos, seja com as ofertas mais ridículas, de sacos de plástico e canetas.
A demagogia mais perigosa encontra--se em outras paragens, e é especialmente nociva quando é dirigida a um eleitorado particularmente pouco preparado para a detectar, como é o português.
Julgo que esta falta de preparação em Portugal decorre de dois efeitos. Em primeiro lugar, do atraso na alfabetização, que só chegou verdadeiramente em meados do século xx. Em segundo lugar, da falta de cultura científica e de apreço pelo rigor, que Eça de Queiroz já salientou em "Os Maias", na voz do avô do protagonista: a "mania [dos portugueses] é fazer belas frases, ver-lhes o brilho, sentir-lhes a música. Se for necessário falsear a ideia, deixá-la incompleta, exagerá-la, para a frase ganhar em beleza, o desgraçado não hesita... Vá-se pela água a baixo o pensamento, mas salve-se a bela frase".
Um certo tipo de demagogia é a defesa de objectivos óbvios, sem entrar em detalhes sobre os instrumentos necessários - e possíveis - para alcançar aqueles objectivos. Hoje há muita gente que é a favor do crescimento e do emprego, como se houvesse alguém que fosse a favor da recessão e do desemprego. Infelizmente, muitos portugueses param aqui e ficam logo satisfeitos, como se isto fosse algum programa político. Dizer que se é a favor do crescimento económico vale tanto como afirmar que se é a favor da felicidade ou como defender que se deve achar a cura para o cancro. Estes dois últimos objectivos, assim formulados, parecem ridículos, mas na verdade não são mais destituídos de conteúdo do que hoje dizer que se defende a redução do desemprego. É óbvio que toda a gente defende a redução do desemprego, mas a questão é o como. E, peço desculpa, mas não serve sugerir políticas impossíveis ou que não estão na mão dos políticos que as defendem (mas antes muito longe, numa Europa que não tem nenhuma vontade de as aplicar), nem propor a repetição de receitas passadas, que nos colocaram no buraco em que estamos.
Apesar de tudo, o crescimento económico e o desemprego são conceitos objectivos e existem dados estatísticos regulares que nos permitem acompanhar. Logo, se um político é eleito a prometer reduzir o desemprego, no final do mandato podemos verificar se cumpriu ou não a sua promessa, mesmo esquecendo que uma promessa deste tipo extravasa largamente o que está nas mãos dos governos conseguir.
Há, no entanto, tiradas demagógicas mais subjectivas e muito atraentes. Imaginem um político em campanha eleitoral a gritar: "Nós defendemos impostos mais justos!" É muito natural que se instale o delírio e que todos concordem com esta "ideia". No entanto, estão a concordar exactamente com quê? Muito possivelmente, cada um acha que impostos mais justos é ele próprio pagar menos e os outros pagarem mais. Na verdade, não estão nada de acordo, é quase como se cada um tivesse a sua opinião, diferente da de todos os outros.
Considero que esta é uma das formas mais perigosas de demagogia, a utilização de frases ocas, com as quais toda a gente está de acordo, mas que não querem dizer rigorosamente nada. Ou seja, permitem ganhar votos sem qualquer tipo de contrapartidas. Ao contrário do desemprego, em que existe um indicador objectivo publicado pelo INE, em relação à justiça dos impostos não temos nenhum indicador semelhante.
Por isso, torna-se muito difícil no final do mandato fazer uma clara avaliação do cumprimento da promessa eleitoral de "impostos mais justos".
Vivemos em tempos tão difíceis que não há praticamente nenhuma proposta que um político possa fazer que seja atraente. Por isso estamos em terreno especialmente propício para os demagogos e devemos estar atentos para os detectar.
Director-executivo do Nova Finance Center, Nova School of Business and Economics

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