Insustentável

22/03/2013

Numa sociedade democrática, o modo mais conspícuo de exibir poder político está na capacidade de afetar o Orçamento do Estado e de determinar a despesa pública. O muito mau Mao Zedong, quando queria mostrar quem mandava na China, não mandava construir um hospital nem aumentava o salário mínimo: para quem ainda não tivesse percebido, 20 anos de "reeducação pelo trabalho" ou uma bala na nuca bastavam. Apesar de brutais, estes métodos de demonstrar poder tinham uma vantagem óbvia: o seu impacto no Orçamento do Estado variava entre o benigno e o insignificante. Não sendo estes meios aceitáveis numa democracia burguesa, os detentores de cargos públicos na Europa e América ficam limitados a uma forma benévola, mas dispendiosa, de demonstrar o seu poder: deixando obra. Podem ser obras públicas ou reformas sociais. Ambas são geralmente importantes e benéficas para o bem-estar do povo, mas raramente têm em conta a relação custo/benefício. Têm, no entanto, a vantagem adicional de gerar reconhecimento e gratidão e assim podem vir a ser úteis num próximo ciclo eleitoral, ou mesmo para depois de se sair da "política ativa". Assim sendo, quem poderá negar aos políticos o prazer, ainda que fugaz, de fazer o bem com o dinheiro público? Mas é assim que surgem os défices e destes que se gera a dívida pública.
É um facto curioso que a dívida pública e a gravidez têm em comum cinco coisas: ambas são motivadas por um prazer momentâneo, começam por ser pequeninas, mas depois nunca param de crescer. Mas o mais curioso é que os intervenientes quase nunca são capazes de perceber a relação causal entre o início do processo e o seu desenvolvimento natural. Há depois o conceito de sustentabilidade. No caso da dívida pública, esta pode crescer sustentavelmente ou não, dependendo dos níveis da taxa de juro, da taxa de crescimento do PIB e do superavit primário. A dívida será sustentável, se o superavit for igual ou superior à dívida a multiplicar pela diferença entre taxa de juro e a taxa de crescimento. Supondo, por hipótese, que a dívida é 120% do PIB, que os juros são a 4%, e que a economia cresce a -1%, a dívida será sustentável, se o superavit for igual ou superior a 120% x (4%-(-1%)) = 6% do PIB. Superavit primário significa que as despesas do Estado, não incluindo juros, são inferiores às receitas, um fenómeno tão frequente em Portugal como neve em Lisboa. Para a dívida ser sustentável com um superavit de -3% (um défice), o crescimento da economia teria de ser de 5,5%. Venham ver porcos a voar!
Professor de Finanças, AESE

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