Aquecimentos globais
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN2013-03-25
O Inverno que agora acaba mostrou sintomas que os especialistas relacionam com a mudança climática. Um tornado na Póvoa, temporais mortais em S. Miguel, atraso na monção, temperaturas acima da escala no verão australiano mostram que o planeta sente um acréscimo da irregularidade meteorológica e alguns fenómenos invulgares.
Certos acontecimentos estranhos na recente dinâmica económica são análogos à evolução atmosférica. Os sintomas são diferentes na China e EUA, Brasil ou Portugal, mas todos sentem mais irregularidade produtiva e alguns fenómenos invulgares. Podemos dizer assim que se experimenta também um "aquecimento socioeconómico" mundial. Este paralelo ajuda a compreender ambos os fenómenos.O primeiro elemento é que factos aparentemente distantes podem ser gerados por uma causa comum. No clima a explicação é evidente, mas também na economia muitos acontecimentos, que parecem desligados, estão relacionados numa dinâmica global que preanuncia um período de mudança e conflito. O impasse orçamental americano e o impasse eleitoral italiano, a recessão europeia e o arrefecimento das economias asiáticas, o agravamento na disparidade ente ricos e pobres e as múltiplas emergências orçamentais, são resultado de um quadro comum de transformação. Nos últimos 20 anos a globalização e abertura comercial de múltiplas zonas, junto com as profundas transformações da era da informação, mudaram a estrutura produtiva criando perturbações em diversas áreas e transformando o sistema que conhecíamos.
O segundo facto é que esta mutação é inevitável. Aqui foi a economia quem melhor percebeu que pouco havia a opor à globalização. No campo climático os repetidos avisos aflitivos de ambientalistas, recomendando soluções drásticas, mostram como muitos ainda têm a ilusão de se poder voltar atrás. Apesar disso, e de esforços dispendiosos, era evidente há muito que o mundo nunca conseguiria habituar-se a viver com menores níveis de energia e emissões. Assim, em vez de evitar mudanças climáticas, a humanidade terá de aprender a suportá-las.
O terceiro aspecto é que, em ambos ao casos, a mudança não é o fim do mundo. Trata-se de transformações dolorosas, difíceis, exigentes mas, como todas as evoluções, com vantagens e inconvenientes. Se os desertos avançam em certas zonas, outras melhoram a fertilidade. Algumas ilhas e costas ficam submersas enquanto áreas geladas passam a habitáveis. O mesmo processo vê-se no campo económico. A concorrência dos mercados emergentes gera reestruturações produtivas e tensões sociais na Europa e América do Norte. Essas dificuldades vêm a par da maior redução de pobreza da história do mundo, no Extremo Oriente e África, que vivem a sua melhor época nos últimos séculos.
Nunca se deve subestimar o enorme sofrimento causado por ajustamentos desta dimensão na economia e clima. Adaptações sectoriais e empresariais, acompanhadas por falências e despedimentos, movimentos de populações, dívidas e rupturas são dramas bem reais, e por isso tanta gente ainda tenta evitar a evolução. As sociedades terão de alterar estruturas e costumes seculares, defender-se de perigos inesperados, conceber novas formas de trabalho e enfrentar climas diferentes. O facto de os dois "aquecimentos" virem em simultâneo ainda agrava mais os inconvenientes.
Seja nas formas produtivas e tecnológicas, nas culturas agrícolas ou nos hábitos de vida, vêm aí tempos novos que exigem respostas originais. Esta é uma evolução que a humanidade fez já muitas vezes ao longo da sua história, em geral em condições muito mais difíceis. Cabe à nossa geração vencer este novo desafio.
O mais importante é ser capaz de ajustar o essencial, manter o importante e adaptar o acessório. Em particular é urgente apoiar os mais afectados, defendendo e reafirmando a democracia e direitos humanos, que estão já a ser contestados por muitos no meio das pressões que se começam a sentir. As tentações de violência serão fortíssimas. Se cair nelas, o globo fica, não mais quente, mas carbonizado.
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