As criticas e a crise

Diário de Notícias, 20081215

João César das Neves
Professor universitário - naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

O deputado Manuel Alegre não ficará zangado se eu disser que, tal como Fernando Pessoa, ele não percebe nada de finanças (sobre Aquele que o poeta acusou de ignorância, podemos dizer que Pessoa não percebe nada de Jesus Cristo). Mas outros deputados da oposição, com mais obrigação técnica, têm alinhado nas críticas às autoridades financeiras. Da supervisão do Banco de Portugal à salvação do BPN e BPP, o poder está sob fogo por causa dos bancos. Estas opiniões têm problemas de forma e conteúdo.

Formalmente, as críticas, mesmo com razão, deviam ser omitidas. Numa ameaça de colapso financeiro o melhor é calar e, a dizer algo, só promover calma e confiança. Acusar as autoridades e atacar quem cuida do sistema é perigoso nestas circunstâncias. Como nas montanhas no Inverno, gritar pode gerar uma avalanche.

Quando a 6 de Outubro passado, no mais fundo do pânico, o ministro das Finanças garantiu a totalidade dos depósitos portugueses, não interessava indagar dos fundos que o suportavam. As poupanças estavam em risco apenas por causa do alarme e a garantia do ministro bastava para o curar. Minar a confiança é fomentar o colapso.

Quanto ao conteúdo, terão as críticas razão? Elas nascem de dois motivos, um melhor que outro. A justificação principal de irritação vem de, após a fase das garantias, se passar à injecção efectiva de fundos. Ver dinheiro de impostos na banca dos ricos enfurece qualquer um. Mas aqui é bom perceber alguma coisa de finanças, porque as coisas raramente são o que parecem.

A razão verdadeira destas intervenções nada tem a ver com os ricos. Se o sistema financeiro vier abaixo, quem mais sofre, como sempre, são os pobres. Pode dizer-se que um pequeno banco de gestão de fortunas não arrisca o sistema. Mas quem põe as mãos no fogo? Na América deixou-se falir o Lehman Brothers porque não tinha risco sistémico, e afinal teve. Como disse o ministro das Finanças sobre o BPP, nestas coisas "é preferível fazer de mais do que de menos".

Além disso, afirmou o Banco de Portugal no comunicado de 1 de Dezembro, "o apoio financeiro destina-se a permitir que o BPP possa fazer face a responsabilidades do passivo do balanço do banco perante depositantes e demais credores". Não é apoiar fortunas e investidores, mas depositantes e fornecedores.

Acima de tudo, este dinheiro não vem de impostos nem é dádiva. Quando se envolvem fundos públicos (e no caso do BPP o dinheiro vem de seis bancos, com o Estado dando só garantia), eles provêm de dívida ou injecção monetária. Dado que a crise paralisou o crédito e secou a liquidez, a acção das autoridades actua precisamente nesses meios, reactivando os mercados.

Além disso, trata-se sempre de um investimento com o qual o Estado até pode vir a ter lucros. A dificuldade pontual dos bancos está na falta de dinheiro para pagamentos, apesar de terem activos interessantes que a crise desvalorizou (se não houver fraudes graves como no BPN). Logo que as coisas acalmam, o Estado vende os valores que recebeu em troca da ajuda, arrecadando a respectiva mais-valia. Assim, estas intervenções nada têm a ver com impostos ou benefícios a ricos.

A segunda razão para as críticas é muito mais razoável. A história antiga e o estado da justiça indicam que no fim não se vão castigar os culpados. Para lá da crise internacional existem sem dúvida fortes responsabilidades internas. São claros os sinais de incúria, favorecimento, corrupção e crimes graves. Se agora é bom não agitar as águas, é importante que comecem as investigações sérias e cuidadosas.

Dificilmente a supervisão do Banco de Portugal sairá sem censuras. Casos sérios, sem relação com a crise, passaram despercebidos aos responsáveis apesar de patentes durante anos. Se a fiscalização monetária não detecta fraude financeira encoberta, terá de haver condenados na investigação policial. E muitos. Ao menos percam a camisa e não beneficiem dos roubos.

Aqui não há grandes esperanças. No campo da política e justiça, o poeta continua com razão: "Ó Portugal, hoje és nevoeiro..."

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António