A corrida para a segurança alimentar
Expresso, 20081213
Miguel Monjardino
Há um ano o mundo parecia estar a caminho de uma terra incógnita. O preço do barril de petróleo estava prestes a atingir a barreira dos cem dólares. Nos mercados internacionais, metais industriais como o cobre e alumínio vendiam-se a preços extremamente elevados. No mundo agrícola reinava um choque alimentar. O preço dos cereais, carne, leite e pão disparou e criou graves problemas políticos a uma série de governos.
Um ano depois, o que é que vemos? Bem, vemos que continuamos numa terra incógnita. O problema é que esta terra incógnita parece ser radicalmente diferente da do ano passado. O preço do barril de petróleo para entrega daqui a uns meses está na casa dos quarenta e cinco dólares. É provável que as medidas que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) venha a tomar na próxima quarta-feira não consigam impedir a descida do preço do petróleo para a casa dos quarenta dólares no mês de Janeiro. Se isto acontecer, estamos a falar de uma descida na casa dos setenta por cento em relação aos preços de Julho passado. No mercado dos metais industriais, o cenário não é muito diferente. O cobre, por exemplo, desceu quase setenta por cento desde o Verão. Nos mercados agrícolas, os preços da soja, milho e trigo desceram entre os quarenta e cinco e os sessenta por cento desde o início do ano. O consumo de carne parece estar a diminuir. Se isto se confirmar, o preço do milho - um cereal essencial na alimentação do gado - nos mercados internacionais vai descer ainda mais ao longo de 2009.
A terra incógnita anunciada no final de 2007 parece mesmo ter desaparecido. O que preocupa os governos e as sociedades do mundo euro-atlântico são as consequências da explosão das bolhas imobiliárias, a credibilidade e solidez dos seus sistemas financeiros e as repercussões da recessão económica ao nível do emprego e salários. Lembra-se de ter lido recentemente alguma notícia em que um responsável político de um governo europeu ou da União Europeia chamasse a atenção para o preço dos cereais, leite, carne e pão? Provavelmente não. Lembra-se de ter lido notícias sobre o colapso do mercado imobiliário ou sobre o sistema financeiro? Provavelmente sim.
Adeus terra incógnita de 2007, bem-vindos à de 2008, dirão muitas pessoas. Mais devagar, é a minha resposta. Se olharmos com atenção, vemos que uma série de governos foram profundamente afectados pela subida dos preços alimentares que teve lugar o ano passado. Vemos também que a corrida em busca da segurança e auto-suficiência alimentar já está em curso. As consequências políticas desta corrida para o comércio internacional e para muitos países africanos poderão vir a revelar-se bastante negativas.
Olhar para o que uma série de governos árabes no Golfo Pérsico estão a fazer é a melhor maneira de compreender o que está realmente a acontecer no mundo da segurança alimentar. Depois da enorme subida do preço dos cereais e dos bens alimentares em 2007, os governos do Golfo Pérsico foram confrontados com duas opções políticas. A primeira era deixar os mercados internacionais funcionar e esperar que os preços estabilizassem. Esta opção implicaria apostar mais no comércio livre agrícola internacional e na inovação científica para melhorar a produtividade agrícola mundial. A segunda opção envolvia uma inovação - comprar ou arrendar grandes quantidades de boa terra agrícola no estrangeiro para garantir a segurança alimentar das suas sociedades. Esta opção implicaria mais proteccionismo agrícola em termos internacionais. A escolha dos governos árabes do Golfo Pérsico foi silenciosa mas está a ser claríssima. Ao longo dos últimos meses, as notícias sobre a compra ou arrendamento por parte destes governos de enormes propriedades agrícolas na Ásia (Cazaquistão, Paquistão, Camboja, Indonésia) ou em África (Sudão e Quénia) têm sido cada vez mais frequentes. O que é que levou os governos do Golfo Pérsico a dar este passo? Comprar terra em países estrangeiros em que imensa gente passa fome (Sudão) ou onde o risco político é elevado (Paquistão) é uma opção rodeada de riscos políticos substanciais.
Várias razões explicam a opção dos países árabes do Golfo Pérsico - a falta de água para irrigação agrícola na região; a certeza de que os preços agrícolas vão voltar a disparar nos mercados internacionais nos próximos anos; a certeza de que a população mundial vai aumentar pelo menos quarenta por cento até 2050; a certeza de que as alterações climáticas afectarão negativamente a oferta internacional dos bens alimentares e, finalmente, a certeza de que o acesso a bens alimentares é essencial para a estabilidade política interna. Ao contrário do que pensamos, a terra incógnita de 2007 já teve consequências importantes. A corrida em busca da segurança alimentar é o melhor exemplo.Supercomputadores
Há muitas maneiras de avaliar a capacidade científica e tecnológica de um país. Ver onde estão os mais rápidos supercomputadores do mundo é uma delas. Estes computadores, com as suas enormes capacidades de simulação são um importante motor económico e um instrumento de inovação científica e tecnológica. Onde é que eles estão? Nove dos dez mais poderosos supercomputadores mundiais estão nos EUA. Destes nove, sete pertencem ao Departamento de Energia americano. O décimo supercomputador mundial está na China. Se percorrermos a lista dos quinhentos supercomputadores mais rápidos do mundo vemos que a China tem quinze destas máquinas. Os países europeus estão bem representados na lista dos quinhentos supercomputadores mundiais. Portugal não figura na lista.
Miguel Monjardino
Há um ano o mundo parecia estar a caminho de uma terra incógnita. O preço do barril de petróleo estava prestes a atingir a barreira dos cem dólares. Nos mercados internacionais, metais industriais como o cobre e alumínio vendiam-se a preços extremamente elevados. No mundo agrícola reinava um choque alimentar. O preço dos cereais, carne, leite e pão disparou e criou graves problemas políticos a uma série de governos.
Um ano depois, o que é que vemos? Bem, vemos que continuamos numa terra incógnita. O problema é que esta terra incógnita parece ser radicalmente diferente da do ano passado. O preço do barril de petróleo para entrega daqui a uns meses está na casa dos quarenta e cinco dólares. É provável que as medidas que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) venha a tomar na próxima quarta-feira não consigam impedir a descida do preço do petróleo para a casa dos quarenta dólares no mês de Janeiro. Se isto acontecer, estamos a falar de uma descida na casa dos setenta por cento em relação aos preços de Julho passado. No mercado dos metais industriais, o cenário não é muito diferente. O cobre, por exemplo, desceu quase setenta por cento desde o Verão. Nos mercados agrícolas, os preços da soja, milho e trigo desceram entre os quarenta e cinco e os sessenta por cento desde o início do ano. O consumo de carne parece estar a diminuir. Se isto se confirmar, o preço do milho - um cereal essencial na alimentação do gado - nos mercados internacionais vai descer ainda mais ao longo de 2009.
A terra incógnita anunciada no final de 2007 parece mesmo ter desaparecido. O que preocupa os governos e as sociedades do mundo euro-atlântico são as consequências da explosão das bolhas imobiliárias, a credibilidade e solidez dos seus sistemas financeiros e as repercussões da recessão económica ao nível do emprego e salários. Lembra-se de ter lido recentemente alguma notícia em que um responsável político de um governo europeu ou da União Europeia chamasse a atenção para o preço dos cereais, leite, carne e pão? Provavelmente não. Lembra-se de ter lido notícias sobre o colapso do mercado imobiliário ou sobre o sistema financeiro? Provavelmente sim.
Adeus terra incógnita de 2007, bem-vindos à de 2008, dirão muitas pessoas. Mais devagar, é a minha resposta. Se olharmos com atenção, vemos que uma série de governos foram profundamente afectados pela subida dos preços alimentares que teve lugar o ano passado. Vemos também que a corrida em busca da segurança e auto-suficiência alimentar já está em curso. As consequências políticas desta corrida para o comércio internacional e para muitos países africanos poderão vir a revelar-se bastante negativas.
Olhar para o que uma série de governos árabes no Golfo Pérsico estão a fazer é a melhor maneira de compreender o que está realmente a acontecer no mundo da segurança alimentar. Depois da enorme subida do preço dos cereais e dos bens alimentares em 2007, os governos do Golfo Pérsico foram confrontados com duas opções políticas. A primeira era deixar os mercados internacionais funcionar e esperar que os preços estabilizassem. Esta opção implicaria apostar mais no comércio livre agrícola internacional e na inovação científica para melhorar a produtividade agrícola mundial. A segunda opção envolvia uma inovação - comprar ou arrendar grandes quantidades de boa terra agrícola no estrangeiro para garantir a segurança alimentar das suas sociedades. Esta opção implicaria mais proteccionismo agrícola em termos internacionais. A escolha dos governos árabes do Golfo Pérsico foi silenciosa mas está a ser claríssima. Ao longo dos últimos meses, as notícias sobre a compra ou arrendamento por parte destes governos de enormes propriedades agrícolas na Ásia (Cazaquistão, Paquistão, Camboja, Indonésia) ou em África (Sudão e Quénia) têm sido cada vez mais frequentes. O que é que levou os governos do Golfo Pérsico a dar este passo? Comprar terra em países estrangeiros em que imensa gente passa fome (Sudão) ou onde o risco político é elevado (Paquistão) é uma opção rodeada de riscos políticos substanciais.
Várias razões explicam a opção dos países árabes do Golfo Pérsico - a falta de água para irrigação agrícola na região; a certeza de que os preços agrícolas vão voltar a disparar nos mercados internacionais nos próximos anos; a certeza de que a população mundial vai aumentar pelo menos quarenta por cento até 2050; a certeza de que as alterações climáticas afectarão negativamente a oferta internacional dos bens alimentares e, finalmente, a certeza de que o acesso a bens alimentares é essencial para a estabilidade política interna. Ao contrário do que pensamos, a terra incógnita de 2007 já teve consequências importantes. A corrida em busca da segurança alimentar é o melhor exemplo.Supercomputadores
Há muitas maneiras de avaliar a capacidade científica e tecnológica de um país. Ver onde estão os mais rápidos supercomputadores do mundo é uma delas. Estes computadores, com as suas enormes capacidades de simulação são um importante motor económico e um instrumento de inovação científica e tecnológica. Onde é que eles estão? Nove dos dez mais poderosos supercomputadores mundiais estão nos EUA. Destes nove, sete pertencem ao Departamento de Energia americano. O décimo supercomputador mundial está na China. Se percorrermos a lista dos quinhentos supercomputadores mais rápidos do mundo vemos que a China tem quinze destas máquinas. Os países europeus estão bem representados na lista dos quinhentos supercomputadores mundiais. Portugal não figura na lista.
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