Quando se esquecem os princípios, esquece-se tudo

Público, 30.12.2008, José Manuel Fernandes

Nenhum jogo político autoriza que se esqueçam princípios básicos da vida em sociedade. Isso é verdade tanto em Portugal como no Médio Oriente

1.O Presidente da República reafirmou ontem os princípios fundamentais que o levaram a vetar politicamente o Estatuto dos Açores, princípios de fidelidade à Constituição que o levaram ontem a aceitar o novo voto do Parlamento e a mandar promulgar um diploma de que discorda profundamente. Já aqui escrevemos e repetimos: o Estatuto dos Açores possui normas absurdas, que violam o equilíbrio de poderes, e só foram aprovadas por puro oportunismo político de todos os partidos. Todos, repito. As razões do Presidente são claras e só num país analfabeto politicamente se compreende que se tenha perdido mais tempo nas últimas semanas a discutir o método que escolheu do que a substância do que estava em causa. Triunfou a politiquice, perdeu-se mais uma oportunidade de explicar aos portugueses a importância de cumprir as regras no jogo democrático. E como se tudo isso já não fosse suficientemente mau, viu-se o primeiro-ministro a procurar explorar politicamente um conflito que ele contribuiu para criar, se é que não foi mesmo o principal responsável ao determinar que o PS não alteraria uma vírgula na norma em causa do Estatuto dos Açores. No fundo ficou provado que em Portugal são raros os que se mantêm fiéis aos seus princípios e numerosos os que preferem adaptar-se aos tempos que correm, gracejando ou desculpando-se, conforme for mais conveniente. Vivemos os anos que vivemos num regime autoritário, e vivemos esses anos todos com uma oposição bem mais anémica do que seria natural, porque já éramos assim. E porque muitos acham que ter princípios é ser dogmático e sectário, quando é exactamente o contrário: quem tem princípios sabe guiar-se em terrenos pantanosos sem sacrificar o essencial, quem não os tem apenas sabe ser autoritário ou servil em função das conveniências do momento.2. Mais uma vez a comunidade internacional reage em "ordem" desordenada ao reacender do conflito no Médio Oriente. E a União Europeia também. É mais difícil exigir aos Estados que sigam princípios, e mais difícil ainda querer que essa Babilónia que dá pelo nome de Nações Unidas se ponha de acordo sobre algumas questões essenciais. Mas é extraordinária a confusão que reina mesmo nalgumas cabeças que tinham a obrigação de mostrar mais clarividência.Um dos princípios que todos deviam recordar é que um dos objectivos primeiros de qualquer Estado é proteger os seus cidadãos, pelo que o facto de Israel estar sistematicamente a ser visado por mísseis disparados pelo Hamas obriga as suas forças de defesa a actuar. A Alemanha veio recordá-lo ontem, como já o haviam feito os Estados Unidos e o Reino Unido. Na linha do que afirmara Barack Obama durante a sua campanha eleitoral, quando visitou uma das cidades, Sderot, visada quase diariamente pelos Qassam do Hamas. Sem começar por aqui não se pode discutir o resto, e o resto é saber se Israel está a actuar da forma mais correcta para conseguir os melhores objectivos de segurança para si e para os seus vizinhos no médio e longo prazo.Outro princípio que convinha nunca esquecer é que não se pode colocar no mesmo plano actos de visam única e exclusivamente espalhar a morte e intimidar pelo terror populações civis e acções militares dirigidas contra objectivos militares. Por definição, o terror é cego e nem sempre faz muitas vítimas, ao mesmo tempo que a acção militar procura ser precisa e, se for eficaz, provoca muitas baixas entre as forças inimigas. Os princípios do mundo em que vivemos não aceitam o terror dirigido contra populações civis mas admitem que a acção militar é legítima quando os outros meios se esgotaram. O Hamas é uma organização terrorista, Israel é um Estado democrático onde se toleram manifestações contra a guerra. Quem pretende colocá-los no mesmo plano utiliza a mistificação e utiliza os mesmos métodos relativistas de propaganda que foram desenvolvidos por Estaline e Hitler. Se tivermos bem presentes estes princípios não teremos dificuldade em responder à questão central no conflito israelo-palestiniano: devem ou não aqueles dois povos viver em dois Estados separados como foi definido pelas Nações Unidas em 1947? Se respondermos sim, há que apoiar Israel e o Presidente da Autoridade Palestiniana. Se acharmos antes que Israel deve ser varrido do mapa e os judeus lançados ao mar, então estaremos com o Hamas e o Presidente do Irão. Não podemos é querer a primeira solução e, depois, desculpar com o indiscutível sofrimento dos palestinianos (muito dele auto-infligido) a actuação do Hamas. Da mesma forma que não toleramos que quem foi maltratado na infância ou tem razões de queixa da sociedade possa andar por aí a matar pessoas...

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