Vencer as estatísticas das olimpíadas
Alexandre Homem Cristo, i-online em 13 Ago 2012
Chegada a redenção com a medalha de prata na canoagem, o país respira de alívio. Há semanas que o insucesso nos Jogos Olímpicos se havia tornado uma obsessão nacional
De acordo com o chamado espírito olímpico, o importante é participar. Mas na hora de contar as medalhas, isso não interessa nada. Se participar é bom, ganhar é melhor para o prestígio nacional ou, no caso português, para curar as nossas depressões colectivas.
Chegada a redenção com a medalha de prata na canoagem, o país respira de alívio. Há semanas que o insucesso dos mais reputados atletas portugueses nos Jogos Olímpicos (JO) de Londres se havia tornado uma obsessão nacional. Desde então, várias explicações surgiram. Houve quem responsabilizasse o Comité Olímpico. Houve quem lembrasse que é do nosso ADN “morrer na praia”. Houve quem explicasse que só os loucos têm a determinação necessária para ganhar medalhas, e que os portugueses até têm uma invejável saúde mental. E houve ainda quem, já em desespero, apontasse o dedo ao ministro da Educação, pedindo mais horas de educação física.
No meio de tantas explicações, ninguém se lembrou do óbvio. Olhando para a história dos JO, há países que ganham mais medalhas do que outros. Nos JO de 2004 e de 2008, com cerca de duzentos países participantes, mais de metade das medalhas foi para apenas dez países. Por que razão não há uma distribuição mais equitativa das medalhas e porquê esses dez países em vez de outros?
A resposta a estas perguntas é simples: há vários factores que influenciam a probabilidade de se ganhar medalhas. Quatro, em particular. Em primeiro lugar, o número de habitantes de um país. Porque quanto mais pessoas vivem num país, maior a probabilidade de um deles vir a ser campeão olímpico. Em segundo lugar, os seus recursos económicos (o PIB per capita). Porque quanto mais recursos existirem, maior o investimento e melhores as condições de treino para os atletas. Em terceiro lugar, o facto de se ser o país organizador. Porque essa motivação adicional leva os atletas nacionais a superarem--se. E em quarto lugar, o regime político (se é mais ou se é menos livre). Porque os regimes menos livres investem, tendencialmente, mais na preparação destes eventos desportivos, devido ao prestígio nacional associado às medalhas, e porque as celebrações patrióticas ajudam à estabilidade política.
Perante estes factores, não constitui surpresa que países como os EUA, a China, a Rússia, e a Alemanha lutem sucessivamente pelo pódio. Como não surpreende que o Reino Unido, organizador dos Jogos, tenha conseguido o seu melhor resultado desde 1908, quando também os organizou e coleccionou 148 medalhas. Ou que Portugal regresse a casa com apenas uma.
Com a evolução da tecnologia nos treinos, a tendência é para que estes factores tenham cada vez mais influência. Felizmente para nós, nem as probabilidades são infalíveis, nem se aplicam a todas as modalidades. No futebol, por exemplo, a influência destes factores é mínima e, não por acaso, Portugal já soma 4 Bolas de Ouro. E felizmente para nós, a nossa irritante incapacidade para lidar com a realidade, este nosso “horror à normalidade”, pode não dar medalhas de ouro, mas levar-nos-á, noutros domínios, a escapar ao fatalismo da estatística, e a ser mais do que nós próprios. Valha-nos isso.
Investigador
Chegada a redenção com a medalha de prata na canoagem, o país respira de alívio. Há semanas que o insucesso nos Jogos Olímpicos se havia tornado uma obsessão nacional
De acordo com o chamado espírito olímpico, o importante é participar. Mas na hora de contar as medalhas, isso não interessa nada. Se participar é bom, ganhar é melhor para o prestígio nacional ou, no caso português, para curar as nossas depressões colectivas.
Chegada a redenção com a medalha de prata na canoagem, o país respira de alívio. Há semanas que o insucesso dos mais reputados atletas portugueses nos Jogos Olímpicos (JO) de Londres se havia tornado uma obsessão nacional. Desde então, várias explicações surgiram. Houve quem responsabilizasse o Comité Olímpico. Houve quem lembrasse que é do nosso ADN “morrer na praia”. Houve quem explicasse que só os loucos têm a determinação necessária para ganhar medalhas, e que os portugueses até têm uma invejável saúde mental. E houve ainda quem, já em desespero, apontasse o dedo ao ministro da Educação, pedindo mais horas de educação física.
No meio de tantas explicações, ninguém se lembrou do óbvio. Olhando para a história dos JO, há países que ganham mais medalhas do que outros. Nos JO de 2004 e de 2008, com cerca de duzentos países participantes, mais de metade das medalhas foi para apenas dez países. Por que razão não há uma distribuição mais equitativa das medalhas e porquê esses dez países em vez de outros?
A resposta a estas perguntas é simples: há vários factores que influenciam a probabilidade de se ganhar medalhas. Quatro, em particular. Em primeiro lugar, o número de habitantes de um país. Porque quanto mais pessoas vivem num país, maior a probabilidade de um deles vir a ser campeão olímpico. Em segundo lugar, os seus recursos económicos (o PIB per capita). Porque quanto mais recursos existirem, maior o investimento e melhores as condições de treino para os atletas. Em terceiro lugar, o facto de se ser o país organizador. Porque essa motivação adicional leva os atletas nacionais a superarem--se. E em quarto lugar, o regime político (se é mais ou se é menos livre). Porque os regimes menos livres investem, tendencialmente, mais na preparação destes eventos desportivos, devido ao prestígio nacional associado às medalhas, e porque as celebrações patrióticas ajudam à estabilidade política.
Perante estes factores, não constitui surpresa que países como os EUA, a China, a Rússia, e a Alemanha lutem sucessivamente pelo pódio. Como não surpreende que o Reino Unido, organizador dos Jogos, tenha conseguido o seu melhor resultado desde 1908, quando também os organizou e coleccionou 148 medalhas. Ou que Portugal regresse a casa com apenas uma.
Com a evolução da tecnologia nos treinos, a tendência é para que estes factores tenham cada vez mais influência. Felizmente para nós, nem as probabilidades são infalíveis, nem se aplicam a todas as modalidades. No futebol, por exemplo, a influência destes factores é mínima e, não por acaso, Portugal já soma 4 Bolas de Ouro. E felizmente para nós, a nossa irritante incapacidade para lidar com a realidade, este nosso “horror à normalidade”, pode não dar medalhas de ouro, mas levar-nos-á, noutros domínios, a escapar ao fatalismo da estatística, e a ser mais do que nós próprios. Valha-nos isso.
Investigador
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