Os filhos dos outros

Inês Teotónio Pereira , i-online 11 Ago 2012 - 03:00
Antigamente, os pais queriam que os filhos olhassem para os meninos bem-comportados, os bons alunos e os chamados meninos da mamã
Existe uma espécie de tabela onde cada pai afere as características do seu filho. Essa tabela não tem nada de teórico nem foi inventada por um cientista genial, ela é absolutamente empírica e assustadoramente simples: é constituída apenas pelos filhos dos outros. Apenas isso, não tem fórmulas. A nossa curva de crescimento ou de desenvolvimento, assim como a dos nossos filhos, não tem qualquer base científica – ela depende apenas dos filhos dos outros.
E é assim desde o primeiro dia de nascimento. Começa pelos quilos: os gramas de diferença entre os bebés são o primeiro dado comparativo entre pais. São apenas alguns gramas, mas na cabeça dos pais é muito mais do que isso: são medalhas. E a medição segue toda uma vida. Até se chega a um ponto em que os pais perdem toda a vergonha e confessam de forma abrupta e sem cerimónia este joguinho dizendo coisas como: “Já viste que o filho da não sei quantas não anda com as calças todas rasgadas como tu e tirou cinco a tudo?!” É o fim. Quando se diz isto pela primeira vez quer dizer que não se aprendeu nada com os pais. Quer dizer que, apesar de tudo o que sofremos com as comparações a que fomos sujeitos, somos iguais a eles: também comparamos impiedosamente os nossos filhos com os filhos dos outros – esses seres profundamente irritantes.
Mas os nossos filhos sabem perfeitamente distinguir – assim como nós também já soubemos – os filhos dos outros daqueles que interessam. Sempre foi assim e será sempre assim: se os nossos pais exaltam as qualidades de um menino ou de uma menina e os classificam como perfeitos para serem nossos modelos ou nossos amigos, quer dizer que a criatura serve apenas para ser centrifugada numa máquina de lavar roupa. É esta a lei natural das coisas.
Então porque é que, geração após geração, a história se repete com a mesma teimosia das guerras? A primeira razão é mais ou menos académica: os pais são sempre novos, são sempre caloiros, por isso são sempre maus; além disso, não têm professores experientes – não existem pais velhos a ensinarem pais novos, existem pais que ensinam filhos a ser pais, uma desgraça, não resulta. Outra razão prende-se com o facto de os pais serem inseguros e de não confiarem nos filhos (o que faz todo o sentido), ou seja, de se sentirem mais seguros se os filhos vaguearem dentro dos limites da normalidade e tiverem como ambição serem o mais normal de todos os normais que se conhecem – assim não há surpresas e são todos grandes normais. A última razão e, no meu entender, a mais forte e a mais simples de todas é que os pais são de modas: os estímulos que os levam a escolher um carro ou um casaco são os mesmos os levam a escolher o desporto, os amigos, a bicicleta ou, no limite, os gostos dos filhos. O raciocínio é assustadoramente simplório: “Se a maioria gosta, o meu filho também tem de gostar.” E começa o inferno.
Uma coisa, no entanto, se alterou nesta saga dos filhos dos outros: antigamente, os pais queriam que os filhos olhassem para os meninos bem-comportados, os bons alunos e os chamados meninos da mamã, que não partiam um prato, ou para as meninas prendadas. Hoje, os pais querem que os filhos sigam os líderes, os populares. Ou seja, deixaram nas mãos de um bando de crianças e de adolescentes irresponsáveis o critério do modelo a seguir. Em que tudo se resume ao estilo e ao número de amigos no FB.

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