Pais heróis

Inês Teotónio Pereira, i-online 25 Ago 2012
Admiro imenso os pais que não se importam nada que os filhos sejam completamente diferentes deles

A grande prova de maturidade de um pai é quando ele aceita o filho tal como ele é. É nessa altura que ele se torna plenamente pai. Daqueles pais que quase só existem nos filmes da Disney, ou que vimos de tempos em tempos num restaurante e ficamos pasmados a olhar. Os pais que assumem e aceitam que o filho, antes de ser seu filho, é uma pessoa independente dele, absolutamente autónoma e que até pode ser completamente diferente deles, são os genuínos pais heróis. São o John Wayne dos pais: um homem valente, confiante, sereno, determinado e amigalhaço. Um exemplo.
Os filhos destes pais são todos felizes. São irritantemente valentes, confiantes, serenos, determinados e amigalhaços. São exactamente aquilo que querem e, quando chegam a casa, ninguém os chateia. Estão sempre irritantemente bem dispostos e de bem com a vida e com o mundo. Acham que, como os pais os respeitam, o mundo inteiro os respeita, que por os pais os aceitarem como eles são, podem andar de queixo levantado em todo o lado. A rir e cheios de confiança. Como se vivessem no Rio e passassem o dia de chanatos a beber água de coco. Tipo felizes e cheios de auto-estima.
Eu admiro imenso os pais que não se importam nada que os filhos sejam completamente diferentes deles. Por exemplo, admiro imenso aqueles pais todos certinhos e lavadinhos que não se importam nada que o filho ande na rua com os cabelos até aos pés e por lavar há dez anos, ou que tenha as orelhas e o nariz com mais furos que um passador; da mesma forma que admiro profundamente os pais janados e alternativos que não se ralam nada que o filho seja fã de badminton e que prefira ficar a ler livros sobre o ecossistema das formigas a ir com os amigos para o Boom. Ou seja, no meu entender, os pais que respeitam e aceitam os gostos do filho apesar de não os entenderem e de serem completamente antagónicos dos seus deviam ser condecorados no 10 de Junho. Todos e só eles.
E isto porquê? Porque estes pais são uma raridade. A maioria dos pais acha que os filhos são uma parte de si, tipo braços ou pernas, e a prova disso é que quando eles sofrem, nós também sofremos, e quando eles são elogiados, nós agradecemos. Eles são nossos. E é por serem nossos que têm de ser como nós. Se até o nariz é igual… Emocionalmente, é assim. Não há nada a fazer.
No filme a “Árvore da Vida” ouvi esta frase dita por um pai roído de remorsos pela sua relação com o filho: “Eu fi-lo sentir a minha vergonha.” Está aqui tudo: a vergonha pelos erros, pelas diferenças, pelos defeitos do filho e a convicção de que ele tem de conhecer essa vergonha, que tem de sentir essa vergonha para se corrigir. Tipo castigo. A maioria dos pais é assim, com maior ou menor intensidade, todos temos em algum momento vergonha de qualquer coisa do nosso filho. E o pior é que não o escondemos. E passamos esse fardo para as costas deles. Sem piedade, com um bilhete a dizer: “Olha, corrige-te.”
No dia em que os pais percebem que os defeitos e as qualidade dos filhos são deles, não são herdadas, que os sucessos e os fracassos dos filhos são pessoais e intransmissíveis e que os seus gostos são tão aleatórios quanto a cor do cabelo, começam a olhar para os filhos como pessoas e não como suas obras. Só nesse dia é que se tornam pais; até lá, somos só parvos.
Um pai que não tem vergonha das rastas do filho e nem o faz sentir que tem vergonha da sua aversão pela luta livre, é o pai perfeito.

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