A liberdade de perder a liberdade
João Távora
Corta-fitas, 2012-08-13
A liberalização do cultivo e venda de cannabis, não sendo um "assunto tolo", emerge curiosamente nas notícias em Agosto, reconhecido mês de leviandades e imprudências. Certo me parece que a dinâmica adolescentocrática dominante é imparável, e que mais tarde ou mais cedo teremos os tais “clubes sociais” do Bloco de Esquerda para fruição dumas boas “pedradas” em “quantidades controladas”. Nos anos setenta também simpatizei com a ideia. Orgulhava-me até da autoria dum belo graffity sobre o assunto na Avenida Infante Santo. Já então pessoa de convicções, deixei de ir às aulas para me passear pelas margens, crente de que o Mundo se moveria pela força dos meus desejos e expectativas. A coisa não podia acabar bem.
Não foi tarde de mais que entendi que assim como uma família até consegue suportar um “excêntrico” no seu seio, demasiados excêntricos arruínam uma família. Suspeito que o mesmo suceda com uma cidade ou com uma civilização. Progressivamente vim-me apercebendo como é mais fácil desregular do que ordenar, como dá menos trabalho condescender do que educar, como é mais acessível contestar do que decidir. E de como nesta tão antiga e desesperada busca da felicidade, em determinados momentos, algo parece indicar-nos a urgência de se retroceder por necessários equilíbrios e contrapesos.
Os movimentos culturais dos anos cinquenta e sessenta no Ocidente fizeram algum sentido ao por em causa poderes e instituições demasiadamente rigidas e tendencialmente hipócritas. Mas acontece que com a água suja do banho foi-se o bebé pela janela abaixo. A ganância dos mercados e o voto a qualquer preço, a abolição da culpa e a ilusão do facilitismo baniram a Autoridade para um refúgio envergonhado. Mas acontece que amo demasiadamente a liberdade, para concordar que em seu nome ela própria seja hipotecada a quem quer que seja.
É nesta perspectiva que me parece que a liberalização da venda e cultivo da cannabis é mais um passo para a desregulação social. Que, por capricho de uns poucos serve para fragilizar os mais fracos, convidando-os a acomodarem-se na sua ilusão de prazer em guetos higiénicos que criem emprego (directo e indirecto) e paguem impostos. A favor da normalização da anomalia (Alienação) e extinção das expectativas sociais (pressão) pelo mérito e pela excelência.
Na história da humanidade, quase sempre a perversão pareceu-nos prevalecer sobre a virtude. Para além de tal ser uma ilusão, imperdoável mesmo será desistirmos de assumir a nossa posição na contenda
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