Neblinas
Público 2012-08-12
Daniel Sampaio
É certo que os "banheiros" do meu tempo foram substituídos por jovens desconhecidos, "nadadores-salvadores", que desejamos possam ter a coragem dos seus antecessores para enfrentar aquele mar tão belo como agressivo.
E não há dúvida de que se perderam de vez os velhos cafés da Praia Grande, como o Lá Vou Eu das bolas-de-berlim inesquecíveis, vendidas na areia com limonada fresca, numa mala de um branco irrepreensível que não conseguiu convencer os fundamentalistas da ASAE. O hotel da Praia Grande mantém a vista sobre as arribas, mas a piscina e o restaurante perderam o ar de novidade do meu tempo e não ganharam qualidade.
Mesmo o areal já não é extenso e limpo como outrora, os toldos não abundam e as barracas de praia são quase uma raridade. Só o mar e a neblina se mantêm, para satisfação das famílias de sempre. Os betos lá para o fim da praia, ouço agora "Olá, Pureza, "tá boa?", vejo uma avó de cabelo loiro e balandrau roxo gritar "Caetana, está a ouvir-me?", estou de novo na infância com a minha mãe a criticar as marquesas da zona. No meio da praia, as famílias de nomes sem consoantes dobradas conversam em grupo, enquanto adolescentes se iniciam no surf. Junto aos muros da piscina, carcomidos pelo mar revolto, vejo famílias mais modestas a petiscar. Como na minha adolescência, há cinquenta anos, a Praia Grande permanece um hino à divisão de classes.
E, todavia, a Praia Grande não tem igual. Sempre sem calor excessivo, porque a brisa nos refresca. Com os passeios até ao fim do areal, a parar de vez em quando a falar com amigos, ou a lançar um leve aceno aos conhecidos de sempre. E, sobretudo, com a neblina do fim da tarde, porque "depois da uma hora levanta", mas a bruma regressa às sete, quando as gaivotas nos visitam sem medo e é a hora de voltar para casa.
A Praia Grande é um amor para toda a vida. Numa época de paixões efémeras e afectos descartáveis, sabe bem voltar aqui. Por isso, sento-me à beira-mar e vejo os castelos na areia que o mar depressa derruba, a avó de balandrau roxo fala agora com uma amiga ainda mais loira (as portuguesas ficam loiras por antiguidade, dizia Vergílio Ferreira), uma prancha bate-me no pé mas não me importo. É meio-dia, hora do banho de mar, como sempre desde há cinquenta anos.
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