O lobby do pânico
Público 2011-12-01 Pedro Lomba
Mas existe um lobby que merece mesmo a nossa suspeita. Esse lobby é eficaz por ser pretensamente intelectual, por buscar a sua legitimação no terreno das ideias. Trabalham para o seu sucesso centenas e centenas de voluntários. Fazem conferências, distribuem panfletos, têm voz nos media. Além disso, preparam estudos nas universidades que depois apresentam com grandes honras científicas.
Comecei a percebê-lo melhor quando em tempos li uma coluna do conservador Boris Johnson, o edil de Londres. Era um artigo divertido que informava que o grupo de interesses mais poderoso em Inglaterra naquele momento era a Sociedade Real para o Extremamente Estúpido. Só os ingleses, que prezam muito a liberdade e desconfiam do paternalismo público, poderiam ter-se lembrado dessa excelente expressão.
As ideias extremamente estúpidas estão a ganhar força nas nossas sociedades. Por causa do pânico em que vivemos com a saúde e com a segurança, as estradas, ruas, paisagens e bens de consumo encheram-se de avisos, tabuletas, sinais, proibições. "Cuidado: risco de queda" quando à beira de um penhasco é óbvio que existe risco de queda; "Cuidado: bebida quente" quando é claro que a bebida está quente quando nos chega às mãos. "Aviso para alérgicos: contém peixe".
Durante décadas, passei por um cruzamento de estradas que não tinha semáforos. Os carros pediam licença e circulavam em liberdade. Até que alguém se lembrou de plantar um semáforo no meio para regular o trânsito. Agora são trinta minutos de fila.
Proibições e mais proibições. Tudo isto faz lembrar a Constituição de um país de Leste, a seguir à queda do Muro de Berlim, que dizia: "É proibido o golpe de Estado". Suspeito que, se não houve golpe de Estado, foi devido a essa proibição.
A mais recente contribuição para o extremamente estúpido li-a há dias, aqui, no PÚBLICO. Uma investigadora universitária do Minho fez um estudo sobre o stalking - definido em português como "assédio persistente" - e inclui nestas práticas o que chama de "tentativas insistentes de entrar em contacto por cartas, telefonemas ou emails". Acaba a obra sugerindo a criminalização destas "múltiplas formas de comunicação" que envolvem assédio persistente. Claro que 79,2% dos inquiridos reconheceram ter sido sujeitos a "tentativas de entrar em contacto". Só podemos ser todos assediadores e, para a senhora investigadora, devíamos estar presos. Tenham medo, muito medo. Se algum deputado voluntarioso põe a mão no estudo, teremos uma lei ainda durante esta legislatura.
O lobby do extremamente estúpido é estúpido e perigoso. Poderia chamar-se o lobby do pânico, porque explora as nossas tremendas fobias, a nossa extrema insegurança. Mas trata-se de mais do que isso. Por esse mundo fora, há sempre quem ache que tem de corrigir, aperfeiçoar, eliminar qualquer noção de risco da vida. Há quem ache que tem de intervir, de fazer alguma coisa quando, na maioria das vezes, não há rigorosamente nada para fazer. E depois ruminam uns estudos, inventam definições esdrúxulas e pedem leis penais. Precisamos também de um aviso. Cuidado: risco de ideias extremamente estúpidas. Jurista
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