Correu tudo bem
Público 2011-12-01 Miguel Esteves Cardoso
Correu tudo bem. Haverá frase mais bonita na nossa língua?
Correu porque foi a correr, passou num instantinho; não andou nem foi aos soluços: correu. E o que é que correu bem? Tudo. Não foi quase tudo, nem metade das coisas que poderiam ter corrido mal; foi tudo. Correu tudo bem. Que maravilha. Obrigado, Deus. Obrigado, Maria João. Obrigado, IPO.
Hoje é o dia em que a Maria João e eu voltamos para casa. Estes três dias e estas três noites mais pareceram trinta. Já não interessam. Só interessa é que passaram; estão no passado, com todas as coisas que aconteceram fechadas dentro delas, contidas e acabadas. Hoje vamos a correr daqui para fora, do bendito IPO que tudo faz (fazendo tudo bem) para correr com os doentes dali para fora.
A Maria João nunca deixou de ser a Maria João. Mesmo logo a seguir à histerectomia, sem água nem sustento, aquela menina do mar nunca perdeu uma luzinha de graça e elegância que fosse. Apenas não podia falar, por falta de água na boca, mas insistia vigorosamente, como quem dá uma ordem, "mas consigo ouvir tudo! Fala, fala, que eu quero ouvir - só não posso é responder". Correu mal a conversa, claro.
Pensava que ia levar uma semana. Qual quê, qual cesta de balão cheia de anjinhos: na manhã seguinte já estava esfuziante, como se nada se tivesse passado. Voltou quem nunca se tinha ido embora. Mas é como se voltasse. Correu tudo bem. Acabou bem a interrupção. A interrupção já não existe. Já vai a caminho do esquecimento, coitada.
Hoje é o dia em que a Maria João e eu voltamos para casa. Estes três dias e estas três noites mais pareceram trinta. Já não interessam. Só interessa é que passaram; estão no passado, com todas as coisas que aconteceram fechadas dentro delas, contidas e acabadas. Hoje vamos a correr daqui para fora, do bendito IPO que tudo faz (fazendo tudo bem) para correr com os doentes dali para fora.
A Maria João nunca deixou de ser a Maria João. Mesmo logo a seguir à histerectomia, sem água nem sustento, aquela menina do mar nunca perdeu uma luzinha de graça e elegância que fosse. Apenas não podia falar, por falta de água na boca, mas insistia vigorosamente, como quem dá uma ordem, "mas consigo ouvir tudo! Fala, fala, que eu quero ouvir - só não posso é responder". Correu mal a conversa, claro.
Pensava que ia levar uma semana. Qual quê, qual cesta de balão cheia de anjinhos: na manhã seguinte já estava esfuziante, como se nada se tivesse passado. Voltou quem nunca se tinha ido embora. Mas é como se voltasse. Correu tudo bem. Acabou bem a interrupção. A interrupção já não existe. Já vai a caminho do esquecimento, coitada.
Comentários
Lindo texto!
Tudo correu bem é, de fato, a melhor notícia que podemos esperar após qualquer expectativa.