A hipótese de Platão verificou-se em Nazaré?
Público 2011-12-24 Fátima Pinheiro
"Natal é quando um homem quiser", é frase repetida todo o ano. Até é verdadeira, mas num sentido muito singular. Isto é, nem sempre assim é. Se dissermos antes: "Natal foi quando uma mulher quis", já a história é outra. Platão intuiu o que aqui é implicado, mas não com todos os contornos. Foi preciso, uns séculos mais tarde, uma virgem de 15 anos (números redondos) para que a passagem do Fédon ganhasse sentido, e para que hoje o que se vive em torno do Natal se possa animar de uma esperança que torne "carne" os mais profundos desejos, pedidos, evidências e exigências do coração de cada pessoa.
Pode dizer-se que um triângulo equilátero é uma figura geométrica de 30 lados desiguais. Mas não do ponto de vista da ciência que o estuda enquanto tal. Neste caso é uma afirmação falsa. Já no que diz respeito ao sentido último da existência - se Deus existe, e se sim "quantos" são, e qual a natureza, ou, o que dá no mesmo, "quem sou, de onde venho e para onde vou?" -, celebra-se na filosofia contemporânea um relativismo, outrora visto como impotência da razão. Daí que as palavras de Platão acertem em cheio: nestas questões "últimas" - parafraseio o diálogo há pouco referido -, o homem vive como que num oceano de vagas difíceis, tempestuoso, a naufragar na ausência de resposta cabal. A não ser que o próprio Deus venha "cá" esclarecer-nos.
A posição dos sofistas - que Platão critica de forma rigorosa em terreno filosófico com a sua Teoria das Ideias, que são mais reais do que a aparente realidade que se pensa que nos sustenta - é, embora noutras modalidades, defendida hoje: a dificuldade das questões e a brevidade da vida humana alegadamente justificam que cada um seja a medida do real.
O sentido religioso, isto é, aquilo que no homem o impele a uma religação com o elo perdido, é construído por cada um, com as forças de cada um. Por um lado, uma solidão dolorosa, ou cruz sem ressurreição. Por outro, pode defender-se, como fez o então Presidente Clinton, "a América é o país mais religioso do mundo" porque nele há mais religiões.
A hipótese que Platão pôs verificou-se em Nazaré? That"s the Question. Todas as religiões são um esforço mais ou menos individual, mais ou menos estruturado ou ritualizado, para "sim-tonizar" o homem com o Infinito. Apenas uma delas - o que levou Julien Ries a afirmar então que, em sentido estrito, o Cristianismo se trata da única religião que não é religião - escandalosamente, para muitos, se apresenta ao mundo com a pretensão de que "contém" e "fornece" o Infinito.
Num momento do tempo - como bem notou T. S. Elliot - no que acontece no diálogo de todos conhecido, entre o anjo Gabriel e a rapariga escolhida por Deus, "marca-se" o tempo. E aqui lembro Paolo Pasolini, no filme Evangelho segundo Mateus (1964), na cara que mostra Maria serena mas preocupada com José, que só mais tarde vem a perceber. Quando isso acontece, ela espera por ele, já com as mãos na barriga, e o seu sorriso só se abre ao abrir do sorriso do noivo.
O que tem ela no seu seio? O Infinito? Esta é a pretensão que faz da Igreja o que Ela é. É a pergunta à qual cada um terá que responder, ou simplesmente ignorar, ou tornear, por dificuldade ou por "não ter tempo". Seja como for, e olhando o Natal como se apresenta vivido hoje, ele é o que um homem "quer". O Natal "é" anjos, ovelhinhas, estrelas e bolas coloridas, da almofada ao postal? O Natal é a festa das famílias? O Natal é o Verbo que se fez carne naquele seio? É tudo isto?
O que nos enche mais a razão, isto é, os nossos mais profundos desejos, pedidos, evidências e exigências? Quero religar-me a esse "X" que, por ser do "tamanho" que é - Infinito e bebé "em palhinhas estendido" -, é capaz de encher o vazio que só cínica e hipocritamente - isto é, de forma irrazoável - posso dizer que ignoro? Ou fico-me sustentado pelas luzes? Lindas, sem dúvida, e a fazer parte, com o bacalhau e os sonhos. Mas sombras de sombras da Luz que Platão sabia e "conheceu".
Pode dizer-se que um triângulo equilátero é uma figura geométrica de 30 lados desiguais. Mas não do ponto de vista da ciência que o estuda enquanto tal. Neste caso é uma afirmação falsa. Já no que diz respeito ao sentido último da existência - se Deus existe, e se sim "quantos" são, e qual a natureza, ou, o que dá no mesmo, "quem sou, de onde venho e para onde vou?" -, celebra-se na filosofia contemporânea um relativismo, outrora visto como impotência da razão. Daí que as palavras de Platão acertem em cheio: nestas questões "últimas" - parafraseio o diálogo há pouco referido -, o homem vive como que num oceano de vagas difíceis, tempestuoso, a naufragar na ausência de resposta cabal. A não ser que o próprio Deus venha "cá" esclarecer-nos.
A posição dos sofistas - que Platão critica de forma rigorosa em terreno filosófico com a sua Teoria das Ideias, que são mais reais do que a aparente realidade que se pensa que nos sustenta - é, embora noutras modalidades, defendida hoje: a dificuldade das questões e a brevidade da vida humana alegadamente justificam que cada um seja a medida do real.
O sentido religioso, isto é, aquilo que no homem o impele a uma religação com o elo perdido, é construído por cada um, com as forças de cada um. Por um lado, uma solidão dolorosa, ou cruz sem ressurreição. Por outro, pode defender-se, como fez o então Presidente Clinton, "a América é o país mais religioso do mundo" porque nele há mais religiões.
A hipótese que Platão pôs verificou-se em Nazaré? That"s the Question. Todas as religiões são um esforço mais ou menos individual, mais ou menos estruturado ou ritualizado, para "sim-tonizar" o homem com o Infinito. Apenas uma delas - o que levou Julien Ries a afirmar então que, em sentido estrito, o Cristianismo se trata da única religião que não é religião - escandalosamente, para muitos, se apresenta ao mundo com a pretensão de que "contém" e "fornece" o Infinito.
Num momento do tempo - como bem notou T. S. Elliot - no que acontece no diálogo de todos conhecido, entre o anjo Gabriel e a rapariga escolhida por Deus, "marca-se" o tempo. E aqui lembro Paolo Pasolini, no filme Evangelho segundo Mateus (1964), na cara que mostra Maria serena mas preocupada com José, que só mais tarde vem a perceber. Quando isso acontece, ela espera por ele, já com as mãos na barriga, e o seu sorriso só se abre ao abrir do sorriso do noivo.
O que tem ela no seu seio? O Infinito? Esta é a pretensão que faz da Igreja o que Ela é. É a pergunta à qual cada um terá que responder, ou simplesmente ignorar, ou tornear, por dificuldade ou por "não ter tempo". Seja como for, e olhando o Natal como se apresenta vivido hoje, ele é o que um homem "quer". O Natal "é" anjos, ovelhinhas, estrelas e bolas coloridas, da almofada ao postal? O Natal é a festa das famílias? O Natal é o Verbo que se fez carne naquele seio? É tudo isto?
O que nos enche mais a razão, isto é, os nossos mais profundos desejos, pedidos, evidências e exigências? Quero religar-me a esse "X" que, por ser do "tamanho" que é - Infinito e bebé "em palhinhas estendido" -, é capaz de encher o vazio que só cínica e hipocritamente - isto é, de forma irrazoável - posso dizer que ignoro? Ou fico-me sustentado pelas luzes? Lindas, sem dúvida, e a fazer parte, com o bacalhau e os sonhos. Mas sombras de sombras da Luz que Platão sabia e "conheceu".
Comentários