A necessidade de Deus (e de Cristo)
Henrique Raposo (www.expresso.pt)
8:00 Quinta feira, 29 de dezembro de 2011
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O ar do tempo acha que é completamente independente do cristianismo. O ar do tempo está errado. Mesmo que não acredite no mistério pascal (como eu o percebo), mesmo que não seja um cristão de fé, o cidadão ali da rua é um cristão cultural, educado numa cultura de direitos que só cresceu na civilização judaico-cristã. Tal como defende Nicholas Wolterstorff, os tais "direitos inalienáveis" (a base ética e constitucional das nossas vidinhas) têm uma raiz bíblica. Por outras palavras, o Direito Natural precisa de uma base religiosa, precisa de uma comunicação com a transcendência divina. Porquê? A resposta não é simples, mas aqui vai: sem uma noção de transcendência, sem algo que nos liberte da prisão do aqui-e-agora, o poder político fica com as portas abertas para limitar os direitos inalienáveis dos indivíduos. Não por acaso, os regimes totalitários do século XX anularam por completo qualquer noção de transcendência, destruíram qualquer noção ética com origem em algo exterior à lei positiva determinada pelo chefão. O fascismo e o comunismo foram tiranias da imanência.
Muitos autores contemporâneos, como Alain Dershowitz, defendem um conceito de Direito Natural secular, sem qualquer apelo a Deus. Mas isso é o mesmo que ser do Benfica e gostar do Pinto da Costa ao mesmo tempo. Um Direito Natural completamente secularizado é uma contradição em termos, porque não tem uma gota de transcendência. Quando dizemos que cada indivíduo tem direitos inalienáveis que nenhum poder terreno pode pôr em causa, quando dizemos que cada pessoa tem direitos inalienáveis que nenhum direito positivo pode rasgar, estamos - na verdade - a dar um salto de fé em direcção a uma concepção de amor ao próximo, um concepção de amor que transcende a imanência da lei, da cultura e do nosso próprio corpo (i.e., Deus).
Portanto, convém perceber que a ideia de direitos inalienáveis não foi inventada de raiz pelo pensamento iluminista do século XVIII ou pelo optimismo científico e individualista do século XIX. Esta ideia já fazia parte do património bíblico. Neste sentido, a tese de Wolterstorff não é descabida: sem esta raiz cristã, a nossa cultura de direitos não teria sido desenvolvida. Os críticos desta tese poderão invocar Kant para a defesa de um Direito Natural absolutamente secular, mas ficarão sempre expostos a um ataque óbvio: Kant cresceu numa cultura cristã e não noutra qualquer; Kant não apareceu no paganismo indiano ou chinês. Não por acaso, Nietzsche dizia que Kant era um cristão manhoso, um cristão que inventou uma teoria secular de direitos apenas para fugir da questão de Deus e da fé.
Moral da história? Durante muito tempo, pensei que Kant chegava para as despesas do Direito Natural. Mas não chega
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