Dois governos: comunicação política nos antípodas

Eduardo Cintra Torres (ectorres@cmjornal.pt)
Correio da Manhã, 2011-12-18
António Barreto disse em ‘Olhos nos Olhos’ (TVI24) que o governo de Sócrates colocou 4000 pessoas nos gabinetes, direcções-gerais dos ministérios e agências de comunicação a trabalhar em exclusivo "na criação da propaganda quotidiana e na estratégia de propaganda". O governo "era especialista em propaganda. Nunca se viu nada tão perfeito, tão acabado, tão exímio em propaganda — propaganda da mentira, da falsidade, da aldrabice".
Esses 4000 — número aterrador — integravam o que sempre apelidei de central de propaganda e comprovam que o socratismo tinha duas existências, uma secreta, que só agora se vai conhecendo, e, para a esconder e destruir adversários, a da superestrutura da propaganda e desinformação.
Depois do socratismo, nenhum governo poderia ter o mesmo nível de performance mediática. Compreende-se que se critique o actual pela sua "fragilidade pavorosa na comunicação", como disse Medina Carreira naquele programa. No fundo, o executivo de Passos Coelho é criticado por não estar sempre a criar pseudo-eventos como o anterior.
Mas não se trata (apenas) de fragilidade. Passos escolheu uma estratégia deliberada de recuo mediático, incluindo da propaganda. Os jornalistas, parece, não apreciam essa estratégia, embora venham beneficiando do apaziguamento nas relações com o poder e da ausência de pressões e ameaças. Com a queda de Sócrates, o ar tornou-se respirável, pela primeira vez desde 2005.
Uma consequência da gestão do silêncio pelo actual governo? Deixou órfãos os telenoticiários. Já não têm diariamente re-inaugurações de coisas inauguradas, lançamentos à dúzia do Magalhães, bitaites políticos, respostas aos críticos antes de estes formularem as críticas e tantas outras técnicas de desinformação e propaganda.
Com menos ou nenhum material pré--preparado pelo governo, os telejornais não sabem como cobrir a vida política. Sem imaginação para tratar o país televisivamente, tornam-se prescindíveis. Duram hora e meia, mas não têm notícias.
A opção de Coelho é também significativa politicamente: ao relegar a comunicação para segundo plano, passa a mensagem de que está a governar. Por exemplo, a equipa de Álvaro Santos Pereira reúne em inúmeras empresas, associações, etc., sem qualquer alarde mediático. Não informa os media. No tempo de Sócrates, isso seria impensável, pois o único objectivo de qualquer visita era criar um pseudo-evento.
Por vezes, os governos começam assim e mais tarde afligem-se na governação, deitando mão à propaganda. O que já se antevê do plano Relvas para manter a RTP e a ERC sob sua influência tarde ou cedo poderá descambar nessa estratégia alternativa à de Passos Coelho.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António