Eis os invisíveis

Público 2011-05-29  Miguel Esteves Cardoso

Ontem tivemos a sorte de apanhar a empregada de caixa mais rápida e mais bem disposta do Oeste, no Continente de Lourel. Perguntei se as pessoas agradeciam. Ela respondeu que "havia um senhor que, quando chegava, ia cumprimentar todas as empregadas, com um aperto de mão". Deu a entender que este era o único cliente com boas maneiras. Perguntei se eram as pessoas mais velhas que se portavam melhor e ela logo ironizou: "Nem sempre." como quem diz "quase nunca".

A Maria João, solidária, preocupou-se com a coluna dela. Apanhei essa preocupação e perguntei se era sempre tão rápida. Disse logo: "É mais quando começo."

Estávamos diante de uma pessoa generosa e inteligente. A Maria João perguntou há quanto tempo lá trabalhava: há nove meses. Parecia, pelo entusiasmo, que era há nove minutos. Perguntámos se a congratulavam por ser tão rápida. "Sim", respondeu. Mas, quando insistimos ("Toda a gente?"), ela desabafou, contra vontade: "Não, há pessoas que passam por mim como se eu fosse um avião."

É uma grande frase. É um grande pecado não ver as pessoas que são visíveis. As pessoas que lavam as casas de banho; que pintam os muros da praia; que limpam as ruas. Ou os velhos e as criancinhas que passam por nós.

São as pessoas invisíveis, a quem não falamos, que são o anjo Elias entre nós, os outros eus de Lévinas; os convidados inesperados que, se dermos por eles e nos lembrarmos deles, hão-de ajudar a salvar as nossas pobres e comprometidas almas.

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