Uma pré-campanha alegre
Público 2011-05-10 Pedro Lomba
Mas o que mais espanta destes últimos dias não é tanto um acordo que, na sua dureza, expõe o quanto nos têm enganado. O que mais surpreende são algumas reacções. Este clima de pré-campanha alegre e confortável em que uns rejubilam pelo que significa o acordo e outros, no governo, pintam a coisa em tons suaves, para afastarem responsabilidades, chega a ser chocante.
Sócrates, já se sabe, foi tão absurdo naquela conferência de imprensa que até um colunista insuspeito como Wolfgang Munchau escreveu nas páginas do Financial Times: "Não se pode dirigir uma união monetária com pessoas como o sr. Sócrates". Pois não. E se os nossos parceiros europeus não confiam neste primeiro-ministro, é caso para perguntar porque devemos nós confiar?
Depois, ouvi o ministro Silva Pereira dizer a uma rádio que muitas destas reformas impostas pela troika até já estavam planeadas. Claro que não explicitou quais, porque não tinha como. Mudanças no mercado de trabalho para acabar com esta intolerável e injusta "segmentação" em que ilhas de protecção coexistem no mesmo país com ilhas de selvajaria? O PS e o governo já tinham pensado nisso. Mudanças na lei do arrendamento para desincentivar a compra de casa própria e o alto endividamento privado? O PS e o governo já tinham pensado nisso. Mudanças na governação das empresas públicas, para que as contas sejam transparentes e as administrações respondam pela sua gestão? O PS e o governo já tinham pensado nisso. Mas se o PS e o governo já tinham pensado nisto tudo, porque é que ao longo de quase 15 anos nunca revelaram vontade para o fazer?
A seguir veio Ferro Rodrigues. O antigo líder do PS tem estado activo no auxílio a Sócrates nesta pré-campanha. Como o Governo não tem um passado de que se orgulhar, ou que valha a pena defender, resta-lhe apontar todas as baterias em defesa do Estado social. Ferro Rodrigues sempre foi bom em dizer coisas de esquerda. Mas também aqui a nossa perplexidade cresce.
As medidas restritivas do PEC 1, no início de 2010, foram aprovadas sob o propósito de defender o Estado social. O Governo substituiu-as meses depois pelo PEC 2, invocando de novo o Estado social. Veio o PEC 3 e o Orçamento do Estado apertou nas famílias, nos impostos, na supressão de benefícios sociais. Não se percebe é que como é que um governo incapaz de defender a sustentabilidade das finanças públicas, sem a qual nenhum Estado social subsiste, pode dar quaisquer lições sobre a defesa do Estado social.
Para quem acaba de ser declarado pródigo e impensável por uma junta de técnicos estrangeiros, não há dúvida que a pré-campanha promete. Os nossos governantes continuam a fingir que não aconteceu nada e que eles não fizeram nada. O mundo deles não é certamente o nosso.
Um aparte: Dizem os jornais que a rainha de Inglaterra, o procurador-geral da República, abriu inquérito contra as agências de rating, na sequência de uma queixa apresentada por vários professores universitários, um deles deputado do Bloco de Esquerda. E pensar que a rainha deu há um par de meses uma entrevista (ao DN) em que criticava a "contaminação política dos processos judiciais". Jurista
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