Portugal e os portugueses são capazes de fazer melhor
Público, 2011-05-13 José Manuel Fernandes O nosso maior risco é não mudar por receio da mudança. Dessa paralisia é que devemos ter medo
Um fraco rei faz fraca a forte gente, escreveu Luis de Camões. Mal sabia ele como o destino próximo (D. Sebastião) e o destino longínquo (a quase bancarrota de 2011) lhe dariam razão. Mais: como a história da Humanidade nestes cinco séculos confirmaria uma intuição que, mais do que assente na fulanização dos destinos colectivos, permite compreender a importância das instituições e das políticas no sucesso e no insucesso das nações. Convém recordá-lo para recuperarmos a esperança, pois se não podemos mudar de povo, podemos de hábitos e de líderes.
Max Weber associou, no princípio do século XX, o sucesso do Ocidente (e o triunfo do capitalismo) ao tipo de cultura que se desenvolvera na Europa do Norte a partir de Idade Média e ao que designou de "ética protestante". Mais recentemente David Landes, em A Riqueza e a Pobreza das Nações, desenvolveu esse argumento mas reconheceu também a importância das instituições. Por fim, o historiador Niall Fergusson, numa obra acabada de publicar - Civilization, The West and the Rest -, chama a atenção para o facto de, mesmo considerando que as instituições e as lideranças são fruto da cultura de uma nação, a imposição de instituições erradas poder "tornar fraca a forte gente". E dá três exemplos do século XX: os destinos diferentes dos alemães na RFA e na RDA, dos coreanos do Norte e do Sul e dos chineses na República Popular ou em Hong Kong e na Formosa.
Servem estas brevíssimas referências a uma antiga discussão - o porquê do triunfo do Ocidente - para sublinhar um ponto que, nestes dias de sombras e de ruínas, tem sido muitas vezes esquecido: Portugal e os portugueses são capazes de fazer melhor. Os portugueses fazem todos os dias melhor quando enquadrados por instituições mais saudáveis e em ambientes onde os estímulos são os correctos, como mostram os nossos emigrantes ou como se comprova na Autoeuropa (onde o Código do Trabalho não é cumprido, mas é cumprido o acordo com os trabalhadores). E Portugal foi, entre 1960 e 1998, um país apontado como exemplo de crescimento e rápida modernização, um país que viveu dois booms impressionantes (entre 1965 e 1973 e na segunda metade da década de 1980).
Ou seja, foi e é possível. Desde que os tempos sejam de mudança.
Na sua comunicação ao país, o Presidente da República sublinhou a importância de "aproveitar este tempo difícil" para "mudar de vida e construir uma economia saudável". Disse mesmo que não temos outra opção senão "acabarmos com vícios que afectam o funcionamento do Estado, das empresas e dos mercados". O que passa por "trabalhar melhor e poupar mais". Resta saber como fazê-lo.
Niall Ferguson procurou, na obra citada, sistematizar o "conjunto de instituições e de ideias e comportamentos" que permitiram o rápido desenvolvimento do Ocidente até uma hegemonia mundial para a qual, há 500 anos, o milenar Império Chinês parecia mais fadado. E o primeiro factor que identificou foi a existência, na Europa, de uma forte concorrência não só entre Estados, como no interior de cada Estado, concorrência essa que potenciou a inovação e levou a que se procurasse sempre mais e melhor. "Porque é que Vasco da Gama procurava de forma tão desesperada a riqueza - e matava em nome dela?", interroga-se Ferguson depois de descrever algumas das brutalidades do grande navegador. "Podemos ver a resposta olhando para o mapa da Europa medieval, onde encontraremos centenas de Estados que competiam entre si".
Se pensarmos que um Mercedes ou um BMW são fruto da concorrência pela excelência e que um Trabant representava o maior triunfo do "planeamento estatal", não é difícil transpor para a actualidade a importância deste primeiro factor identificado por Ferguson, até porque ele simboliza bem o que separava a cultura política da triunfante RFA das opressivas regras da RDA. Numa escala diferente, sem sairmos da referência central do Estado de direito democrático, a experiência sueca também nos mostra como a introdução de concorrência na prestação dos serviços públicos permitiu resgatar o Estado social da falência. Há 20 anos, o Estado sueco ainda assegurava o monopólio absoluto da prestação de serviços sociais e oferecia regimes de protecção tão vantajosos que corroeram a ética do trabalho, pois quase não era necessário trabalhar para viver confortavelmente. Até que o país cuja economia mais crescera em todo o mundo nos 150 anos anteriores entrou em crise, percebeu os limites do seu "Estado-ama-seca" e escolheu políticos que propunham a liberdade de escolha entre prestadores de serviços públicos. Em duas décadas a Suécia trocou o seu "Estado-tutor" por um "Estado facilitador", reduziu em quase 20 pontos a despesa pública, retomou o crescimento económico e até tem conseguido reduzir a sua dívida pública.
Introduzir mais concorrência em todos os sectores da nossa vida económica e social, inclusive na Administração Pública, não requer reformas muito complicadas, mas fará com que todos, mesmo os instalados, se sintam menos confortáveis nas suas inércias e sejam obrigados a trabalhar melhor. A 5 de Junho também temos de fazer essa opção, mesmo que isso comporte sempre algum risco. Só que o nosso maior risco é não mudar. Do que devemos ter medo é da paralisia defensiva.
Jornalista
Max Weber associou, no princípio do século XX, o sucesso do Ocidente (e o triunfo do capitalismo) ao tipo de cultura que se desenvolvera na Europa do Norte a partir de Idade Média e ao que designou de "ética protestante". Mais recentemente David Landes, em A Riqueza e a Pobreza das Nações, desenvolveu esse argumento mas reconheceu também a importância das instituições. Por fim, o historiador Niall Fergusson, numa obra acabada de publicar - Civilization, The West and the Rest -, chama a atenção para o facto de, mesmo considerando que as instituições e as lideranças são fruto da cultura de uma nação, a imposição de instituições erradas poder "tornar fraca a forte gente". E dá três exemplos do século XX: os destinos diferentes dos alemães na RFA e na RDA, dos coreanos do Norte e do Sul e dos chineses na República Popular ou em Hong Kong e na Formosa.
Servem estas brevíssimas referências a uma antiga discussão - o porquê do triunfo do Ocidente - para sublinhar um ponto que, nestes dias de sombras e de ruínas, tem sido muitas vezes esquecido: Portugal e os portugueses são capazes de fazer melhor. Os portugueses fazem todos os dias melhor quando enquadrados por instituições mais saudáveis e em ambientes onde os estímulos são os correctos, como mostram os nossos emigrantes ou como se comprova na Autoeuropa (onde o Código do Trabalho não é cumprido, mas é cumprido o acordo com os trabalhadores). E Portugal foi, entre 1960 e 1998, um país apontado como exemplo de crescimento e rápida modernização, um país que viveu dois booms impressionantes (entre 1965 e 1973 e na segunda metade da década de 1980).
Ou seja, foi e é possível. Desde que os tempos sejam de mudança.
Na sua comunicação ao país, o Presidente da República sublinhou a importância de "aproveitar este tempo difícil" para "mudar de vida e construir uma economia saudável". Disse mesmo que não temos outra opção senão "acabarmos com vícios que afectam o funcionamento do Estado, das empresas e dos mercados". O que passa por "trabalhar melhor e poupar mais". Resta saber como fazê-lo.
Niall Ferguson procurou, na obra citada, sistematizar o "conjunto de instituições e de ideias e comportamentos" que permitiram o rápido desenvolvimento do Ocidente até uma hegemonia mundial para a qual, há 500 anos, o milenar Império Chinês parecia mais fadado. E o primeiro factor que identificou foi a existência, na Europa, de uma forte concorrência não só entre Estados, como no interior de cada Estado, concorrência essa que potenciou a inovação e levou a que se procurasse sempre mais e melhor. "Porque é que Vasco da Gama procurava de forma tão desesperada a riqueza - e matava em nome dela?", interroga-se Ferguson depois de descrever algumas das brutalidades do grande navegador. "Podemos ver a resposta olhando para o mapa da Europa medieval, onde encontraremos centenas de Estados que competiam entre si".
Se pensarmos que um Mercedes ou um BMW são fruto da concorrência pela excelência e que um Trabant representava o maior triunfo do "planeamento estatal", não é difícil transpor para a actualidade a importância deste primeiro factor identificado por Ferguson, até porque ele simboliza bem o que separava a cultura política da triunfante RFA das opressivas regras da RDA. Numa escala diferente, sem sairmos da referência central do Estado de direito democrático, a experiência sueca também nos mostra como a introdução de concorrência na prestação dos serviços públicos permitiu resgatar o Estado social da falência. Há 20 anos, o Estado sueco ainda assegurava o monopólio absoluto da prestação de serviços sociais e oferecia regimes de protecção tão vantajosos que corroeram a ética do trabalho, pois quase não era necessário trabalhar para viver confortavelmente. Até que o país cuja economia mais crescera em todo o mundo nos 150 anos anteriores entrou em crise, percebeu os limites do seu "Estado-ama-seca" e escolheu políticos que propunham a liberdade de escolha entre prestadores de serviços públicos. Em duas décadas a Suécia trocou o seu "Estado-tutor" por um "Estado facilitador", reduziu em quase 20 pontos a despesa pública, retomou o crescimento económico e até tem conseguido reduzir a sua dívida pública.
Introduzir mais concorrência em todos os sectores da nossa vida económica e social, inclusive na Administração Pública, não requer reformas muito complicadas, mas fará com que todos, mesmo os instalados, se sintam menos confortáveis nas suas inércias e sejam obrigados a trabalhar melhor. A 5 de Junho também temos de fazer essa opção, mesmo que isso comporte sempre algum risco. Só que o nosso maior risco é não mudar. Do que devemos ter medo é da paralisia defensiva.
Jornalista
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